segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Máquina do Tempo Portátil - Parte II




Máquina do tempo portátil – Parte II

Ainda mais impressionante do que o número de clubes de futebol em 1950, é o público das partidas. O período pós-guerra assistiu a uma verdadeira febre de futebol. A média de público para os jogos da Primeira Divisão em 1949/50 foi de 40.700, bem superior ao da Premier League hoje em dia. O público total do futebol alcançou os 41 milhões na temporada 1948/49, um recorde que jamais seria igualado. Só para dar uma idéia, nos últimos anos a média de público tem sido de 26 milhões.
Além de tentarem recuperar o tempo perdido, as pessoas entregaram-se de corpo e alma ao principal divertimento em uma época de orçamentos apertados: o futebol. A televisão estava ainda nos seus primórdios (já falaremos sobre ela) e os outros divertimentos possíveis eram o cinema, os bailes e a igreja. O futebol, lazer masculino e operário por excelência, reforçava um sentimento local e comunitário extremamente importante em um momento em que as feridas da segunda guerra ainda estavam abertas. Sentir-se novamente parte de um grupo, estar entre amigos e conhecidos, era algo buscado por todos. Um anúncio de cigarro na página 13 do nosso almanaque encarna muito bem esse espírito. O título do anúncio é “Promovido a amigo...” e a ilustração põe um homem a sorrir na arquibancada, segurando um enorme maço de “Capstan” aberto em direção à mão do torcedor ao lado que claramente vai pegar um cigarrinho emprestado. Ao contrário do que talvez seja um senso comum entre os fumantes, sempre reclamando dos “filões”, o texto do anúncio deixa claro que o cigarro tinha exatamente a função de aproximar, de reforçar ou criar amizades:
“Não importa se o seu time ganha, perde ou empata, Capstan sempre marca. Estes ótimos cigarros são feitos para fazer amigos [em itálico no original].”
O campo de futebol aparece ao fundo, a ênfase toda está na relação entre os dois fumantes-torcedores-amigos.

Em busca de amizade, lazer ou mesmo de um cigarrinho emprestado, o certo é que os campos lotavam de norte a sul e isso incluía também as divisões inferiores. Times da 3ª. Divisão por vezes conseguiam públicos acima dos 25 mil espectadores. No norte da Inglaterra, os industriais tentavam conter o enorme número de faltas aos sábados com bônus ou ameaças de demissão. Às vezes um terço dos operários faltava em dias de jogos importantes. Esse boom de público fez com que os clubes reunidos na assembléia anual da Football League decidissem incorporar mais 4 clubes à 3ª. Divisão, à época sub-dividida em Norte e Sul. Assim nos informa o livrinho à página 6. O curioso é que com este acréscimo, o número total de clubes chega a 92, exatamente o mesmo número de clubes existentes nas 4 primeiras divisões da Inglaterra em 2007/8, cinqüenta e sete anos depois. Isto é típico de um futebol extremamente bem organizado e estável, o que sem dúvida é um dos motivos para o sucesso do futebol inglês.
Uma outra decisão tomada pela assembléia dos clubes hoje em dia nos parece bizarra. Já havia televisão, mas a Football League proibia o televisionamento das partidas. E olha que em 1950 apenas 2% dos lares ingleses dispunham de televisão.

Quanto ao rádio, naquele ano votou-se uma resolução proposta pelo Sunderland que simplesmente negava à BBC a transmissão radiofônica de qualquer partida enquanto outras estivessem ocorrendo. Como à época todos os jogos ocorriam aos sábados à tarde isso impedia a BBC de transmitir ao vivo jogos de futebol. Sugeria-se que a BBC tocasse uma gravação da transmissão da partida à noite. Os clubes entendiam que tanto a televisão quanto o rádio diminuiriam o público e consequentemente a renda das partidas.

A diferença é marcante em relação aos dias de hoje, em que os recursos provenientes da televisão praticamente sustentam o futebol
Inglês, sobretudo na Premier League. É interessante que a assembléia geral dos clubes enfatizou que aquela proibição não era definitiva e que as negociações com a tv estavam em andamento. Três anos depois os clubes finalmente consentiriam em permitir que a BBC transmitisse a final do torneio mais importante do futebol inglês: a FA Cup ou Copa da Inglaterra como é conhecida no Brasil.
Os que não podiam ir aos jogos não se contentavam em ouvir transmissões radiofônicas gravadas horas antes. O interesse pelo futebol servia de alavanca para tiragens milionárias dos jornais, cujas fotografias tornavam os craques conhecidos por todo o país. Já havia jornais especializados em esportes, como o Sporting Chronicle and Athletic News, cujo anúncio à p. 293 afirmava: “Você está perdendo algo (foto de um goleiro deixando a bola passar) se você não lê o jornal que dedica mais espaço ao futebol todos os dias”.
Outra atividade que florescia graças ao futebol era a “indústria de apostas”. O Sunday Chronicle 1950/51 atesta a prosperidade dos pools, bolões de apostas cujos anúncios aparecem às dezenas no almanaque daquele ano. A promessa era a de sempre: “Seus centavos podem trazer milhares de libras”, prometia a Cope’s Pools de Londres. Este amor às apostas é outra característica que persiste hoje em dia, onde há casas de apostas como LadBrokes e William Hill a cada esquina (ainda iremos escrever uma crônica sobre isso).
Há muitas coisas no livrinho que hoje parecem ultrapassadas: o anúncio de uma chuteira que tinha cano alto, mais parecida com uma bota, a goma de cabelo (Brylcreem) que mantém seu cabelo “em forma” – com a indefectível foto de um jogador agachado, segurando a bola e com o cabelinho brilhando. A bola, aliás, era costurada à mão como nos informa um outro anúncio. E é claro que a redonda, nesse tempo, ainda era feita de couro.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Máquina do Tempo Portátil - Parte I

Máquina do Tempo Portátil – Parte I

Hay-on-Way, no País de Gales, tem apenas 1900 habitantes e 30 livrarias, o que dá uma média invejável de uma livraria para cada 66 habitantes. Até a década de 1970 era apenas uma pequena cidade-mercado situada em uma região tipicamente rural. Tudo mudou em 1977, quando Richard Booth, o dono de uma loja de livros usados auto-proclamou-se “Rei de Hay-on-Wye” em uma bela jogada de marketing. A cidade virou uma meca para os amantes de livros e passou a sediar um dos festivais literários mais importantes do mundo. Um domingo chuvoso em Hay-on-Wye era tudo que eu pedira aos deuses naquele início de inverno. Perambulando pelas ruelas em meio às típicas construções em pedra, logo fui me refugiar em um dos melhores sebos da cidade.
Ali, por motivos óbvios, depois de vagabundear pelas estantes repletas de romances e livros de viagem, fui até o setor de esportes, subseção futebol, é claro. Foi ai que caiu em minhas mãos uma máquina do tempo portátil. Pelo aspecto ninguém poderia julgar assim: um pequeno objeto tridimensional retangular feito de papel jornal impresso em letras bem pequenas. Um livro. Melhor dizendo, uma espécie de almanaque: o Sunday Chronicle Football Annual, edição 1950-51. Logo na capa, bem machucada depois de 56 anos, a primeira surpresa. Alem do título sobreposto a uma foto claramente retocada e pintada de um goleiro saltando para agarrar uma bola, a inscrição misteriosa “Covers all Codes” (cobre todos os códigos). Uma breve consulta ao índice resolve o enigma: o livrinho contém resultados e informações acerca dos três códigos do futebol: association (o nosso futebol), rugby union e rugby league. Ou seja, quase cem anos depois da famosa reunião que selou a separação entre o association football e o rugby football em 1863, este anuário ainda considerava valido colocá-los sob a mesma rubrica de football.
A página contendo o índice também assinala que o livro estava na sua 64a. edição anual, ou seja: este livro comecou a ser publicado em 1886, um ano após o advento do futebol profissional na Inglaterra. E, o que é ainda mais notável, dois anos antes do primeiro campeonato da Liga Inglesa, que só começou a ser disputado em 1888. Mesmo assim já havia mercado para uma obra deste tipo, o que mostra a profundidade do interesse do público inglês.
Para começar, há os placares de cada um dos jogos disputados na temporada de 1950-51 em cada uma das três primeiras divisões do futebol inglês, da Liga Irlandesa e da Liga Galesa, bem como das três principais divisões do futebol escocês e da FA Cup. Esta ultima competição é a mais antiga do mundo, tendo sido iniciada em 1871. Com nossa máquina do tempo portátil aprendemos que em 1950 ainda era aberta a todos os clubes ingleses, inclusive os amadores. O que significou 617 clubes na temporada 1950-51. Mas também ficamos sabendo que já circulavam propostas de restringir a participação na lucrativa FA Cup aos times profissionais. Estes eram 416, de um total impressionante de 23.160 clubes. O que não incluía, informa nosso precioso livrinho, universidades, escolas e clubes de serviço. Ou seja, em 1950 havia mais de 23 mil clubes exclusivamente de futebol na Inglaterra.
(continua na semana que vem)

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Rugby, o primo aristocrático do futebol

Rugby, o primo aristocrático do futebol

Rugby ? Pouca gente sabe, mas o rugby e o futebol são podem ser considerados primos. Ambos originaram-se de jogos existentes na Inglaterra medieval e que opunham aldeia a aldeia em confrontos violentos que às vezes duravam dias. Os reis proibiram estes jogos inúmeras vezes, devido ao tumulto que causavam, mas a rapaziada continuava dando seus chutes em bexigas de boi infladas de ar – o que deu o nome ao jogo (football, bola chutada com o pé). Em meados do século XIX estes jogos tradicionais foram adotados e modificados pelos estudantes das escolas públicas de 2º. Grau da Inglaterra. Em uma delas, a Rugby School, começou-se a adotar uma regra que permitia agarrar a bola e correr com ela, além de chutá-la. Foi ali que se criou a bola oval e o gol em forma de “H”. Esta modalidade do jogo de football começou a ser chamada de Rugby football, ou seja: futebol jogado à maneira de rugby. Outras escolas, porém, quiseram adotar outra regra, em que era proibido (exceto ao goleiro) agarrar a bola. Foi somente aí que rugby football e football association vieram a separar-se com a criação de duas entidades diferentes e de regras estabelecidas por escrito, do futebol em 1863 e do rugby em 1871.
O jogo de rugby logo tornou-se extremamente popular, não somente nas escolas e universidades, mas também junto aos operários da região mais industrializada da Inglaterra. Quando os trabalhadores conquistaram a redução do horário de trabalho, deixando de trabalhar aos sábados à tarde, este se tornou o horário clássico do rugby e também do futebol (é assim até hoje). Da Inglaterra, o jogo logo espalhou-se para todo o Reino Unido e logo em seguida para as colônias do imenso império em que o sol nunca se punha. Depois alcançou o mundo todo, inclusive a América Latina. Apesar disso, logo o futebol suplantou o rugby e veio a tornar-se o esporte mais popular do mundo, enquanto o rugby começou a ser visto como mais aristocrático, coisa de universitários e de classe média, embora em certas regiões da Inglaterra, em Gales, na Austrália e na Nova Zelândia ele seja claramente o esporte mais popular.
Na vizinha Argentina, o campeonato nacional de rugby é disputado há mais de 100 anos. Até Che Guevara jogava (basta ver o início do fabuloso Diários de Motocicleta). Para quem vê pela primeira vez, parece uma loucura: um bolo de jogadores amontoados em cima de uma bola ... ainda por cima oval !!! E passa-se a bola com a mão para trás. Mas o rugby é o maior barato: é primo do futebol mas exige muito mais espírito coletivo. No rugby não há lugar para o “mascarado”, para o fominha, não passar a bola é prejuízo e às vezes suicídio... Todos atacam, todos têm que defender, são 15 para cada lado e o jogo não pára um segundo. Não confundam com o futebol americano, que derivou do rugby e é bem mais recente. O rugby é jogado em mais de 150 países e a Copa do Mundo de Rugby, jogada de quatro em quatro anos só perde para a Copa do Mundo de Futebol em termos de telespectadores. Isso mesmo, ganha das Olimpíadas. Ao contrário da maioria dos esportes, o rugby é democrático em relação à compleição física: há lugar em um time para jogadores altos e magros, gordinhos (e gordões), baixos, leves e velozes ou fortes e pesados. E mulheres também jogam rugby, cada dia mais.
O objetivo do jogo é simples: alcançar a linha de fundo e colocar a bola oval no chão, não valendo jogá-la, é preciso colocá-la com a mão. Este lance vale 5 pontos e é chamado de try. Após o try o time ainda tem a chance de marcar mais dois pontos, caso consiga chutar a bola acima da barra horizontal do gol em forma de H. Outra forma de marcar é converter uma falta chutando por cima da trave do H ou fazê-lo durante o jogo ao chutar a bola depois de fazê-la quicar no chão. Em ambos os lances conquistam-se mais três pontos.
Além de ser um esporte emocionante, o rugby tem aspectos éticos louváveis: até 1995 era um esporte amador (e ainda é predominantemente amador com exceção de alguns países europeus) e o respeito pelo adversário é muito grande. Assim que o jogo termina, um dos times forma um corredor por onde passarão os jogadores adversários, enquanto os jogadores no corredor batem palmas e entoam o nome do outro time. Depois o time contrário faz o inverso. Seja qual for o resultado do jogo, o terceiro tempo é obrigatório, ou seja: o time da casa oferece uma recepção regada a bebida, quando os lances mais duros, as disputas mais acirradas vão se transformar em abraços, em piadas, em congraçamento. Por isso, costuma-se dizer que o rugby é um jogo de bárbaros jogado por cavalheiros.
Aqui no Brasil, por motivos que seria interessante pesquisar, o rugby é jogado por muito poucos, mas com muita paixão. Em Niterói, por exemplo, temos o Niterói Rugby, 5 vezes campeão brasileiro e ainda hoje uma das melhores equipes do Brasil, embora a maioria das esteja no estado de São Paulo.
Quer ir a jogo de rugby na Inglaterra ? Vamos lá: o clássico Inglaterra versus Gales, a menos de um mês da Copa do Mundo de 2007*. É uma das partidas mais tradicionais do rugby mundial. A Inglaterra era a atual campeã do mundo e Gales sempre esteve entre as oito melhores seleções de rugby do planeta. Foi disputada no estádio de Twickenham, o templo do rugby, localizado em um subúrbio de Londres. Gales e Inglaterra jogaram em Twickenham pela primeira vez em 1910 (Inglaterra 11x6). Hoje em dia foi remodelado e tem a capacidade de receber com conforto 80 mil espectadores.
Era um dia de céu claro e fazia até algum calor. A cerimônia de abertura foi bonita, apenas levemente nacionalista: militares com farda camuflada, carregando bandeiras da Inglaterra nos quatro cantos do campo enquanto as meninas do All Angels entoavam a canção de abertura.
Depois veio o hino de Wales, ardorosamente entoado por seus animados torcedores, muitos dos quais abraçados na bandeira do dragão, usando perucas ruivas e belas camisas vermelhas. Em seguida, os mesmos torcedores, acompanhados dos ingleses, cantaram o famoso God Save the Queen.
O público é tão educado que antes da partida começar eu “ouvi” o minuto de silêncio mais silencioso da minha vida. O jogo foi um massacre: 22x0 para a Inglaterra só no primeiro tempo. Os forwards - jogadores mais fortes que disputam a bola para passá-la aos rápidos e habilidosos backs - , estavam vandalizando a defesa de Gales. A torcida inglesa fez uma festa: no fim do primeiro tempo já cantavam Sweet Chariot, de forma tão doce que parecia canção de ninar. Originalmente Sweet Chariot era uma canção dos escravos americanos e hoje simboliza o rugby inglês.
O comportamento da torcida é completamente diferente de um jogo de futebol. Além de Sweet chariot já mencionada, a torcida cantou somente “England, England” ou “Wales, Wales” – o que foi mais raro devido ao desenvolvimento do jogo; mais nenhuma canção e sobretudo nenhuma provocação ao adversário, nada, nadinha. O público manifestou-se bastante, até com vaias, em relação a jogadas muito violentas. Estas ficam ainda mais revoltantes com o close dado no telão. A maior vaia talvez tenha sido para os dois garotos que invadiram o campo (já no finalzinho do jogo) e foram imediatamente retirados. Há protestos quanto a decisões, mas sem que eu tenha ouvido um só palavrão, repito, nenhum palavrão durante o jogo inteiro. E olha que se bebe cerveja a rodo, com o pessoal, trazendo os copos de um pint (quase meio litro) até os stands (arquibancada), o que é terminantemente proibido em um jogo de futebol.
Sobre o caráter pacífico do público de rugby, o senhor sentado ao meu lado contou um episódio interessante. Quando ele trouxe o filho dele pela primeira vez naquele estádio eles sentaram perto de uma turma de galeses. Com dez segundos de jogo a Inglaterra faz um try e o filho vira para ele: “Pai, vamos ter problemas”... Que nada, os galeses nem ligaram e o que fizeram foi oferecer um trago de cerveja... Tanto que não havia nenhuma separação entre galeses e ingleses, que sentavam-se lado a lado.
Nos últimos segundos do jogo ocorre uma lance de arrepiar. Jason Robinson, número 11 da Inglaterra, um mulato baixo, forte como um touro e muito rápido, faz uma jogada que incendeia o estádio. Ele vem correndo com a bola na direção do último defensor de Gales, chuta a bola ao lado do desesperado adversário e vai pegá-la lá na frente, arrancando livre para o último try. Igualzinho ao “drible da vaca” – Mas com a pequena e muito importante diferença de fazer isso com uma bola oval...

* England 62x5 Wales, 4 de agosto de 2007
Twickenham Stadium, England
Público: 66.131

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

The Red-Haired Monster and the Holy Trophy

Oi, pessoal, lá vai mais uma crônica inédita aqui no blog. Esta foi escrita a pedido dos meus amigos do FC United of Manchester, um clube criado em 2005 para protestar contra a tomada do Manchester United pelo bilionário americano Malcom Glazer. Eu fui até Manchester assistir a um jogo do FC e escrevi este artigo para homenageá-los.

De qualquer forma, um artigo em português explicando tudo sobre o FC United estará no primeiro número da revista ContraCultura, que será lançada no Bloco O do Campus do Gragoatá, Niterói, no dia 19 de dezembro (4a. feira), às 18h.


The Red-Haired Monster and the Holy Trophy

Once upon a time there was a humble Football Club founded by railway workers. All they wanted was to have some fun after a week’s work. They never imagined this club would become a global brand or one of the most important companies in the Entertainment Industry. At three different times strange villainous creatures tried to buy their club. First to come along was Dark Maxwell mounted on his BSkyB Dragon (or vice-versa). The fans blocked him. Second came the Two-Headed Coolmore Horse. The fans fought hard to successfully ward off this new threat. Finally the fans came face-to-face with the Red-haired Monster, whose tactics involved throwing green money in every direction. The fans rallied, singing “Not for Sale” and attacking the Monster in every possible way. But green money had magical powers and the enemy took over the Red Devils Castle.

The loyal fans felt outraged to see the Red-haired Monster walking their once sacred Trafford soil. But green money, though very powerful, couldn’t capture the most important treasure: Mancunian Soul. Few stuck with it, but those few were noble and trustworthy knights. They began building another castle, brick by brick… a difficult task amid the ever blowing winds of commoditisation and consumerism. The new citadel was called FC United of Manchester.

Thank you for humouring this analogy: I find it impossible to think of FC’s history without seeing it in an epic light. In this new, yet already very old, 21st century, when resignation to “the way things are” reigns, FC United of Manchester seems to me a truly beautiful story worthy of telling and retelling for the benefit of future generations.

The first I heard of it was two yeas ago in Lisbon, when I met Adam Brown, one of your founding warriors. But after the conference I returned to Brazil, where I live and work as a professor. So it was only on November 14, 2007, during my recent travels to England, on a cold Manchester night, that I had the opportunity to see FC United play, at long last.

Before I share my impressions of that match against Rossendale FC, you should know where I am coming from. Don’t hold it against me, but before arriving in England I was inclined to be an Arsenal fan! When I visited Emirates Stadium I was shocked: not only by the marble walls and the Airport-Mall architecture, but by the cold commercialism of it all. I decided to give them another chance and after a Homeric Quest I could buy a golden ticket to see Arsenal play against Sparta Prague. Wenger’s kids were brilliant, playing with such pace and quality that the other team seemed to be there to watch it too. But it was a very weird feeling, because my red seat was so cushy and pleasant and the public so silent that I thought I was on my sofa peacefully watching the Match of the Day. A brief look around explained it all. There were so many tourists that when somebody shouted “If you hate Tottenham, stand up”, only a few lifted their rear ends from the comfortable seats. Between the pitch and the stands there seemed to exist an invisible barrier, a net capable of blocking true emotions. It felt almost immoral to stand there, as if only a voyeur, not participating at all… without life, without passion.

Let’s come back to the less glamorous Unibond League First Division North. Let’s get back to real life, real football and real fans. That night at Gigg Lane didn’t start well. In the Main Stand between Adam and Tony, there was I, very happy to see a red shirt with no logo on it. By five minutes in, FC had conceded a very silly goal. 0x1 and my friends were probably thinking: “This Brazilian guy is not bringing good luck”. Well, 2nd half we moved to the Kop. And the goals started to flow like a river, 1, 2, 3… 5! I swear by Pelé that less than two thousand FC fans were louder and livelier that evening than 60.000 consumers at Emirates Airport.

I know it hasn’t been easy for you. The same night, when we were all at the pub celebrating, Tony confessed that every time he drives by Old Trafford he feels betrayed. He still senses that his seat, his place, his team, were taken from him. Like a bitter taste lingering, but not only in his mouth… in his soul. The next day, as any f… tourist would do, I went to visit Old Trafford. Our guide spoke of only one subject during the first ten minutes: money. He even dared to say that the revenue from the 165 corporate boxes allowed “ticket prices for the ordinary spectator to be kept on a realistic level”. Worse than that: believe it or not, the tour lasted more than one hour, and the guide didn’t mention one word about who founded the club, when or why! But he did show, to the delight of the female tourists on the tour – the very place were Beckham used to change his clothes.

After this very instructive tour, I went to the Museum. It is a very fine one, of course. You can hear the original BBC news cast about the Munich Disaster. You can look at many photographs and watch many videos of past glories. Booby Charlton’s and Beckham’s shirts are all over the place. A big room full of trophies. There aren’t many things about Lancashire and Yorkshire Railway Cricket and Football Club, except for a replica of the original yellow and green shirt. A replica, not the real thing.

That night when FC hammered Rossendale 5x1, the chant I heard the most times was “We all follow United, we are the Busby Boys”. Yes, you are. Nobody can take that Holy Trophy from you.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

CARTA DA INGLATERRA

Car@s amig@s, a crônica desta semana chama-se "Carta da Inglaterra" e foi publicada na Revista Piauí de dezembro, já nas bancas. Durante a semana vou publicar fotos inéditas aqui no site, ilustrando passagens do artigo.
Quem quiser dar uma força...

um grande abraço a tod@s,

Marcos Alvito

P.S: Na próxima 3a., 11 de novembro, vou postar mais uma crônica, tudo volta ao normal.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

CONVERSANDO COM A PRIMA DE MARADONA - SEGUNDA PARTE

Hoje continuamos nossa conversa com a jornalista argentina Marcela Mora y Araujo. Desta vez ela fala sobre os problemas de adaptação dos jogadores latino-americanos na Terra da Rainha, sobre a nebulosa máfia de agentes e dirigentes de futebol e, conforme prometido, sobre a famosa gambetta.
A partir de uma série de entrevistas e contatos com jogadores sul-americanos, sobretudo argentinos, Marcela percebeu um problema que poucos conseguem imaginar. Famosos e muito bem pagos, nem por isso os jogadores de futebol integram-se com facilidade à sociedade inglesa. Ficam isolados, primeiramente, pela língua. “Para um ser humano é espantosa a circunstância de trabalhar sem conhecer o idioma de seus companheiros”, comenta Marcela. “Isso acontece aos jogadores de futebol o tempo todo. Os futebolistas se movem como nômades. Até a Arábia Saudita está cheia de jogadores vindos do mundo todo.” Quando chegam ao clube, jogadores como Tévez ou Verón ficam sentados no vestiário sem entender as piadas, sem poder conversar com ninguém.
Há diferenças que afetam muito o rendimento dos jogadores. Na Inglaterra, lembra Marcela, os jogadores chegam, cada um no seu carro, apenas 3 horas antes do jogo. Na Argentina a equipe fica concentrada três dias, jogando cartas e conversando. Quer dizer, na Inglaterra é mais difícil criar um vínculo pessoal, é uma relação fria, estritamente profissional. Em campo, o jogador muitas vezes é colocado fora da sua posição, rende mal e acaba na reserva.
Fora de campo também é complicado. Certa vez, conversando com Hernán Crespo, famoso goleador da seleção argentina, ele disse a ela: “Estou aqui na minha casa luxuosa, sem saber como fazer para estabelecer uma conexão à Internet, sem saber a quem chamar e sem saber como falar”. Os clubes investem milhões nestes jogadores, mas ao contrário do que fazem empresas multinacionais ou até mesmo o Exército, não há nenhuma infra-estrutura de apoio. Um jogador entrevistado por ela dependia totalmente de um amigo que falava a sua língua. A tal ponto que quando a mulher do jogador foi dar à luz ele levou o amigo para assistir ao parto, porque ele era a única pessoa em quem confiava e a única esperança de comunicar-se com os médicos. Marcela recorda um outro caso, em que a esposa do jogador mexicano Juan Pablo Angel foi atendida em estado grave, enquanto ele “ficou numa cadeira dormindo com o bebê recém-nascido nos braços, sem entender nada da língua nem ser capaz de falar nada.” Ela vê isso como um caso extremo de alienação.
A barreira mais difícil de transpor diz respeito à própria forma de jogar futebol. Marcela conta um caso delicioso a esse respeito. Em uma Copa do Mundo, a seleção argentina marcou um belíssimo gol a partir de uma troca de 24 passes. O que gerou o comentário indignado de um torcedor inglês pela Internet: “Pra quê gastar 24 passes se um chutão do goleiro daria o mesmo resultado?”
Os jogadores sul-americanos gostam de ficar com a bola, manter a posse da bola, enquanto os ingleses gostam de correr pelo campo, em lançamentos longos para a frente. Para Marcela, esta diferença nasce do contexto econômico: “na América do Sul, as crianças pobres têm na bola o único brinquedo, dividido com dezenas de outras crianças. É normal que apreciem ficar com ela.” Na Inglaterra o sistema é outro: a individualidade é malvista e desde cedo as fantasias e as jogadas criativas são recriminadas em nome do jogo coletivo. “O jogador argentino”, diz Mora y Araujo elaborando sua hipótese, “tem o desejo pela bola, o desejo de criança de entrar em campo e ficar com ela o maior tempo possível, não quer dar um chutão para um companheiro lá na frente como no futebol inglês.”
Para Marcela, não há nada que exemplifique melhor esta defasagem cultural do que o termo gambetta. A palavra vem do italiano, mas é vista como sinônimo do futebol argentino. Para o ex-craque da seleção argentina Jorge Valdano, “a gambetta é o gosto pela firula, é outra forma de dançar o tango”. Há dois elementos essenciais no ato de “gambetear”. O primeiro é enganar o adversário e o outro é brincar com a bola, guardá-la para si. Até mesmo jogadores que não “gambeteiam” valorizam a gambetta, por ela fazer parte de uma tradição cultural na qual estão inseridos. Mascherano, conhecido como um impiedoso volante de contenção, definiu a gambetta como “Aquilo que o futebol tem de mais lindo”. O eficiente mas não muito técnico Hernan Crespo foi direto como seus potentes chutes a gol: “É aquilo que os argentinos sabem fazer.” Para o habilidoso Carlos Tévez, a gambetta é “driblar com tango, tentando enganar e bater seu adversário”.
A gambetta, este traço identitário do jogador argentina, é intraduzível para o inglês, argumenta Marcela. Sendo assim, fica tudo mais complicado: “Como fazer se se não há palavra para o teu papel dentro de campo, se não há palavra para o que fazes com o teu corpo?” Na Itália e na Espanha, ao contrário, não há a mesma dificuldade, a comida é a mesma, o estilo de futebol é familiar.
O jogador sul-americano, ademais, vem de uma cultura em que as regras informais imperam, e Marcela lembra que quando visitou o Rio foi aconselhada a não parar nos sinais vermelhos. Mas não é isso que acontece na Inglaterra. “Aqui”, enfatiza Marcela, “a princípio tem que se seguir a regra escrita, é essa que vale”. É claro que os ingleses não são santos. Cita um episódio que ilustra bem o que quer dizer. Ela estava fazendo um programa em que o grande atacante inglês Gary Lineker, ex-chuteira de ouro na Europa, entrevistava os outros jogadores já agraciados com o mesmo prêmio. Lineker era sempre anunciado como o jogador que nunca levara um cartão amarelo. Intrigada com aquilo, Marcela pergunta a ele se nunca havia feito uma falta. Lineker responde zangado “É claro que sim! Mas nunca tomei um cartão!” Ou seja: a questão é “not get caught”, evitar ser pego em flagrante. Marcela aponta as incoerências: “Aqui se critica a simulação mas também se pratica, aqui se critica um gol de mão, mas se ganha um Mundial com uma bola que não se sabe se atravessou a linha, é um sistema de valores diferente, mas nesta cultura nunca se pode dizer 'Ah, mas essa regra não vale.'” Tudo isto dificulta a carreira dos jogadores latino-americanos no futebol inglês.
Caso raro de jogador brasileiro bem adaptado ao futebol da ilha, Gilberto Siva foi entrevistado por Marcela para uma revista da Nike. A empresa de material esportivo queria que Gilberto Silva dissesse que no Brasil é mais importante jogar bonito do que ganhar. “Logo Gilberto Silva”, diz Marcela sem conter um riso irônico, “que ganhou um Mundial [2002] com um Brasil que jogava um futebol nada bonito”. E durante a entrevista ele afirmava: “No Brasil é muito importante ganhar, estou muito orgulhoso de haver ganho uma Copa do Mundo”. Marcela entrega a entrevista e dizem a ela que seria necessário que Gilberto dissesse algo mais (aquilo que eles queriam). “Então mostrei-lhes a transcrição integral da entrevista em que eu lhe perguntava: 'Poderia dizer que no Brasil é menos importante ganhar do que jogar bonito ... ' E ele respondia: 'Não, não, não”, foram oito negativas em seguida”. Apesar disso a Nike publicou: “No Brasil jogar bonito é mais importante do que ganhar, diz Gilberto Silva”. Para Marcela, este episódio revela “como se vende o futebol, de como se embala, empacota e se projeta uma idéia”.
Sobre o futebol como negócio, Marcela relembra um encontro com Kia Joorabchian e amigos deste. “Em um desses hotéis cinco estrelas indo atrás dos jogadores e de suas famílias, esbarrava em empresários gordos e engravatados, sentados falando ao celular e fumando charuto. Perguntei a um deles se concordava que o futebol era uma forma de poesia ou arte.” Ele negou, sorrindo e afirmando cinicamente: “Futebol é cobiça”. Com os bilhões hoje gerados pelo esporte mais popular do planeta, personagens escusas gravitam em torno dos jogadores. Marcela é contundente a este respeito: “os jogadores são trabalhadores em torno dos quais se construiu esse monstro. Podemos vê-los como soldados, como os músculos de uma organização criminosa, marionetes de um cenário assustador com gangsters panamenhos, árabes misteriosos e personagens deste quilate.”
O genial Maradona conhece como ninguém este teatro. Marcela estava com ele quando o barraram na entrada de uma tribuna especial. O craque estava de jeans e camiseta, e ali o traje obrigatório era camisa e gravata. Maradona recusou-se a mudar de roupa e desabafou com Marcela: “O que esses caras não entendem é que tudo isso, toda essa riqueza, foi criada por nós, jogadores de futebol”. Os pés de Diego Armando Maradona não pisam mais os campos com sua inigualável e sempre surpreendente técnica. Mas sua “prima espiritual” Marcela Mora y Araujo usa sua visão refinada e crítica para apontar que há algo de errado nesse enredo: “Aonde há pobreza haverá bons jogadores. E eles serão vendidos para a Europa e haverá pessoas pagando para vê-los e se fará dinheiro com eles. Nós, o público, somos os consumidores desse negócio. É um desafio conseguir fazer com que o futebol, além de um grande show, não seja algo grotesco.”

Prorrogação:
Marcela sempre interessou-se pelos aspectos culturais e políticos do futebol. Quem quiser conferir pode dar uma clicada neste excelente artigo sobre a Holanda vista pelos argentinos e que explica de forma exemplar o uso que a Ditadura Militar argentina fez da Copa de 1978 (link: http://blogs.guardian.co.uk/worldcup06/2006/06/21/holland_according_to_argentina.html ).

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Conversando com a prima de Maradona (crônica inédita) - A 2a. PARTE será postada HOJE A NOITE




Mentira. Marcela Mora y Araujo não é prima de Diego Armando Maradona. Mas esta jornalista argentina também é craque. Veio aos quinze anos para a Inglaterra, onde estudou e começou sua carreira no rádio. Logo percebeu que seria inapelavelmente escalada para cobrir a América Latina. Sendo assim, escolhe o esporte, pois “era algo agradável de que eu poderia me orgulhar enquanto na política e na economia era tudo nefasto.” Seu envolvimento com o futebol veio de berço: teve um avô que foi jornalista esportivo e desde menina frequentava a Bombonera com sua família. Afirma com voz tranquila: “O Mundial da Argentina foi jogado quando eu tinha 11 anos, Maradona virou um ídolo juvenil quando eu tinha doze anos, ou seja, é algo absolutamente da minha geração... o futebol me acompanhou sempre, na minha vida pessoal e na minha identidade nacional, por toda a vida.” Enquanto tomávamos um café em volta de uma mesa onde se amontoavam dezenas figurinhas de jogadores ingleses colecionadas por seu filho, Marcela concedeu uma entrevista exclusiva ao nosso blog (que marra, hein!).

Trabalhando para a BBC em 1994, fez uma importante reportagem sobre os hinchas (torcedores organizados) do Boca Juniors. Conseguiu entrevistar José “El Abuelo” (“Vovô”) Barritta o mítico líder da Barra Brava do Boca. Descobriu que ele comandava uma rede muito bem organizada que explorava de tudo no bairro, desde a venda de ingressos para os jogos até o tráfico de drogas, passando pela venda de refrigerantes e sanduíches no estádio. Mas a organização liderada por José Barritta também fazia caridade, ajudava crianças com necessidades especiais, enfim, criava uma rede clientelística tão forte que quando ele morreu em 2001, com 48 anos, o seu enterro foi um verdadeiro acontecimento.

Marcela estava com Barrita durante o clássico Boca x River, vencido pelo último por dois a zero. Acontece que depois do jogo, longe do estádio, dois torcedores do River foram assassinados, um com 19, outro com 23 anos. E nos muros de Buenos Aires apareceu a seguinte pichação: “Boca 2x2 River”. Ou seja: um torcedor do River morto para cada gol. Três anos depois “El Abuelo” foi preso e condenado a treze anos de prisão, embora no momento do crime ele estivesse em outro lugar da cidade com Marcela e dezenas de outros torcedores. As autoridades argentinas, pressionadas pela opinião pública para que dessem um basta no problema da violência das torcidas lançaram mão da "Associação Ilícita", um recurso jurídico da época da Ditadura Militar para prender José Barrita, mesmo que nunca tenham comprovado a sua participação nas mortes dos torcedores do River Plate. Esse mesmo tipo de malabarismo legal foi utilizado na Holanda contra o hooliganismo das torcidas de Ajax e Feyenoord.

Mesmo assim, “El Abuelo” se fazia presente em La Bombonera. “La Numero Doze” é como se chama a hinchada do Boca, um nome que reconhece a importância do grupo como uma espécie de 12o. jogador. Pois bem, enquanto “El Abuelo” esteve preso, graças à utilização de uma lei da época da Ditadura Militar, a Barra Brava do Boca deixava um vasto espaço vazio na arquibancada para simbolizar o lugar que deveria ser ocupado pelo seu líder (ver foto acima). “A partir de este incidente”, afirma Marcela, “passei a entender que o futebol reflete tudo o que ocorre na sociedade.

Na Inglaterra ela fez várias reportagens sobre hooligans e tem uma interpretação extremamente original sobre o declínio da violência nos estádios ingleses. Não nega ter havido uma “revolução” no futebol inglês com a entrada do dinheiro da televisão a cabo (Sky), o pesado investimento no controle e na repressão, o aumento exorbitante dos preços e o fim dos terraces (local atrás do gol onde os torcedores mais fanáticos assistiam ao jogo de pé). Tudo isso foi importante, diz ela, mas há algo que os jornais não noticiam. Trata-se de uma transformação na cultura juvenil. Na década de 90 os jovens ingleses passaram a reunir-se ilegalmente em lugares descampados onde ouviam música e consumiam ecstasy. Essas festas que chegavam a reunir 4 a 5 mil jovens apresentavam, todavia, um problema difícil: como reunir toda essa gente sem despertar a atenção da polícia? Foi aí, segundo Marcela Mora y Araujo, que entraram em campo os hooligans, que já dispunham de redes subterrâneas informais e do know-how para enganar os homens da lei. Os caras passaram a fazer a segurança das raves, como eram chamadas essas festas. Depois de passar a 6a. feira à noite dançando e conversando com hooligans de outros clubes, quando chegava o sábado à tarde não havia mais clima para baterem uns nos outros. A hipótese de Marcela, além de extremamente original, chama a atenção para uma questão crucial: a violência das torcidas não diz respeito ao futebol somente e sim às formas de lazer da juventude.

Hoje em dia, Marcela mantém um blog no The Guardian (http://ww.guardian.co.uk/ ) para o qual escreve regularmente sobre futebol argentino e sobre os jogadores latino americanos que disputam a Premier League. Para chegar a ser uma jornalista esportiva respeitada e conhecida como hoje, o caminho de Mora y Araujo não foi tranquilo. Quando ainda trabalhava na BBC, o colega que era responsável pela parte de esportes teria que ausentar-se por dois meses. Marcela ofereceu-se para substituí-lo mas tem o seu pedido negado por ser mulher. Recorre formalmente a seus superiores e participa de um concurso anônimo organizado pela empresa para decidir quem assumiria o posto. Fica em primeiro lugar mas é obrigada a aceitar trabalhar em parceria com um colega. Aos poucos, foi granjeando seu espaço e acabou sendo a diretora da cobertura de uma Copa do Mundo, além de ter feito um documentário sobre as duas copas do mundo ganhas pela Argentina (1978 e 1986) e o contexto político. Participou inclusive do filme oficial da Fifa sobre as copas do mundo.

Ela exemplifica a principal diferença entre o futebol inglês e o futebol argentino a partir do termo gambetta, originário do italiano e segundo Marcela absolutamente intraduzível para os súditos da Rainha. Mas isto será tema da nossa crônica da semana que vem, quando continuaremos a conversa com Marcela Mora y Araujo.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Malandros Otários (outra crônica inédita)

Malandros otários


Se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só por malandragem”


Jorge Ben


A primeira vez que aconteceu eu tomei um susto. Depois de quase quatro meses na Inglaterra, assistindo a dezenas de jogos de várias divisões diferentes, alguns jogos femininos, rugby e até cricket, eu ainda não tinha visto aquilo. Naquela tarde, antes do jogo começar, eu vi o juiz e os bandeirinhas serem vaiados pela primeira vez. Estava acostumado a ir a jogos de futebol no Brasil, onde os homens de preto sempre são saudados com uma estrondosa vaia antes de terem tempo de entrar em campo. Sem falar nas homenagem habituais à progenitora de vossa excelência durante o jogo propriamente dito. Mas na Terra da Rainha é bem diferente.

É claro que os juízes são muito criticados pelos comentaristas por suas falhas e os torcedores também não costumam perdoá-los. Ou seja, é claro que por aqui também se xinga o juiz, até com muita veemência embora sem tanta frequência. O humor inglês se faz presente nessa hora. Quando fui assistir a um jogo do Doncaster Rovers contra o Leyton Orient, meu amigo John Coyle, fanático torcedor do “Donnie”, enfurecido com a atuação do juiz, gritava frases que arrancavam risos da turma em volta. Suas broncas iam desde o mais tradicional: “Are you blind?” (“Você está cego?”), até o mais criativo “Why don't you put a blue shirt?” (“Por quê você não veste uma camisa azul?” - cor do time adversário); sem falar em reclamações habituais: “What does it take for us to get a penalty?” (“O que tem que acontecer para você marcar um pênalti a nosso favor?”) ou “When are you going to take the yellow card from your pocket?” (“Quando é que você vai tirar o cartão amarelo do bolso?”). Até mesmo durante jogos de rugby, onde o público é bem mais contido e educado nas suas manifestações, já vi o juiz quase ser vaiado por uma marcação durante o jogo.

Agora, vaiar o juiz à entrada, eu nunca tinha visto. É claro que toda a regra tem a sua exceção. Se há um lugar na Inglaterra onde o juiz haveria de ser vaiado era ali. Eu estava em Millwall, bairro de Londres famoso às avessas. O time da casa, o Millwall F.C., é bem mais conhecido pelos seus hooligans - dos quais ainda falaremos em outra crônica, do que pela boa qualidade do futebol ou pelas escassas conquistas. Mas eu vou falar de Millwall outro dia, a crônica de hoje é sobre malandragem.

Malandragem? É que a vaia ao juiz chamou a minha atenção para uma das maiores diferenças em termos da forma pela qual o futebol é jogado e apreciado no Brasil e na Inglaterra. O caso do goleiro brasileiro Dida, ocorrido no início de outubro de 2007, ilustra bem o que estou querendo dizer. Em um jogo da Champions League entre a sua equipe, o Milan e o clube escocês Celtic, um torcedor de 27 anos, Robert McHendry, entrou em campo quase ao final da partida. Embora seu time, o Celtic, estivesse vencendo por 2x1, McHendry invadiu o gramado e correu na direção de Dida, tocando no ombro do goleiro e dizendo “Bad luck, Dida” (“Azar, Dida”). A primeira reação de Dida foi correr atrás do torcedor, para depois desabar em campo, do qual saiu carregado na maca. A UEFA, depois de examinar o video-tape do incidente, multou o Celtic e puniu Dida com uma suspensão de dois jogos, por desrespeitar regras que dizem respeito à “lealdade, integridade e espírito esportivo”. Em suma: por ser um mau ator. Até aí, todo mundo sabe.

O incrível é que a reação das pessoas com quem conversei por aqui foi extremamente forte. Dois famosos sociólogos do futebol com quem conversei, desprezaram diferenças culturais e simplesmente se disseram enojados com o comportamento de Dida. A partir daí eu comecei a reparar que o público nas arquibancadas é absolutamente implacável diante da menor possibilidade de “simulação”, ou seja, de um jogador fingir ter sido atingido por um adversário ou mesmo exagerar na gravidade da falta, contorcendo-se na grama. A torcida em uníssono começa a gritar a plenos pulmões “Cheat, cheat!” (“Enganador”). Ou então, no caso da famosa propensão dos atacantes em voarem dentro da área: “Dive, dive!” (“Atirou-se”). É o suficiente para aquele jogador passar a ser perseguido por vaias durante o resto da partida.

Outra diferença é que o comportamento de juízes e jogadores tende a ser (o que equivale a dizer que nem sempre é) mais discreto e equilibrado. Não é tão comum ver os jogadores “peitarem” o juiz e, por outro lado, os juízes dão cartões amarelos e vermelhos muitas vezes sem nem levantar o braço direito, em gestos bem menos espalhafatosos e histéricos que seus colegas sul-americanos. O jogo é bem menos truncado, porque as faltas são em média 25 por jogo, enquanto no Brasil não é incomum termos 40, 60 e até 80 faltas por jogo. É bom notar também que a palavra para “juiz” por aqui é referee, ou seja, árbitro, ao contrário do nosso “juiz”, que estabelece uma interessante e nada elogiosa analogia (para ambos os lados) entre os sopradores de apito e nossos magistrados. Mas agora a pelota do raciocínio já está saindo pela linha de fundo. Voltemos ao mais importante.

No Brasil faz parte da “malandragem” cavar uma falta ou buscar a expulsão do adversário através de uma pantomima. Não digo que isso não ocorra na Inglaterra, mas os torcedores (e os comentaristas) vêem isso como absolutamente inaceitável. Pode ser um resquício do ethos do amadorismo, em que até mesmo treinar era visto como uma forma de desvio em relação ao “fair play”: os dois times tinham que se enfrentar sem preparar-se, que vencesse o melhor. É claro que estamos muito longe dessa época, e o futebol já é profissional na Inglaterra há mais de um século. Mas acho que essa atitude tem relação com o fato do juiz não ser normalmente vaiado ao entrar em campo. É algo que tendo a explicar pensando em questões maiores.

Por questões maiores entendo a própria cultura política e as diferenças em termos de cidadania nos dois países. A tradição de um Estado autoritário e centralizador, desvinculado da sociedade, torna qualquer autoridade suspeita: “todo político é corrupto, todo policial é bandido e todo o juiz de futebol é ladrão”. Todo representante da lei é culpado até prova em contrário, o que é apenas o contra-dom ofertado por um povo que – exceto uma elite privilegiada, é tratado como cidadão de terceira classe. O sistema político da Inglaterra, um parlamentarismo que dura vários séculos sem solução de continuidade, tem muito mais credibilidade junto a seus cidadãos. Os policiais andam de cabeça erguida e desfrutam de relativo respeito. E os juízes de futebol são vaiados e xingados, mas só depois do jogo começar...

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Blyth Spartans x Hinckley United (Crônica Inédita)

Blyth Spartans x Hinckley United


Já ouviste falar do Blyth Spartans? E do Barrow? Que tal o Hinckley United? São todos clubes da 6a. Divisão-norte e alguns de seus jogadores são profissionais. O Brasil, como todos sabem, tem apenas 3 divisões nacionais, além dos inúmeros campeonatos estaduais e suas respectivas divisões. Já na Inglaterra, o sistema é bem diferente. Para começar, há a Barclay's Premier League e abaixo dela, mais três divisões: Coca-Cola Championship (2a. Divisão), Coca-Cola League One (3a. Divisão), e Coca-Cola League Two (4a. Divisão). Até aqui, tudo normal. Os 92 clubes destas quatro primeiras divisões são chamados de League Clubs. Eles representam a fina-flor do futebol inglês. Mesmo na 3a. divisão (Coca-Cola League One), há clubes que já foram campeões europeus como o Leeds e o Nottingham Forest. Os jogadores destes 92 League Clubs são todos profissionais de tempo integral, alguns deles ganhando mais de 100 mil libras (400 mil reais) por semana !

Como estão divididos os 92 League Clubs? Sabe aquelas aulas de geometria e de cálculo que você faltou no colégio? Vão fazer falta, mas farei um esquema para facilitar:


BARCLAY'S PREMIER LEAGUE – 20 clubes

Caem 3 para a Coca-Cola Championship ↓↓↓


COCA-COLA CHAMPIONSHIP – 24 clubes

Sobem 3 para a BARCLAY'S PREMIER LEAGUE ↑↑↑

Caem 3 para a COCA-COLA LEAGUE ONE ↓↓↓


COCA-COLA LEAGUE ONE – 24 clubes

Sobem 3 para a COCA-COLA CHAMPIONSHIP ↑↑↑

Caem 4 para a COCA-COLA LEAGUE TWO ↓↓↓↓


COCA-COLA LEAGUE TWO – 24 clubes

Sobem 4 para a COCA-COLA LEAGUE ONE ↑↑↑↑

Caem 2 para a BLUE SQUARE PREMIER ↓↓


Até aqui, a maior moleza, não é mesmo? Mas agora começa a complicar um pouquinho. A partir daqui temos os Non-League Clubs, ou seja, clubes que não pertencem à elite dos 92 clubes da Football League. A última divisão totalmente nacional – isto é, com clubes do país todo e não somente de uma região da Inglaterra – é a Blue Square Premier, o que em bom português (do Brasil) seria a 5a. Divisão. A imensa maioria dos jogadores é profissional, mas alguns são obrigados a dividir o futebol com outra atividade, ou seja, são semi-profissionais. Dentre os times desta 5a. Divisão há clubes importantes, como o Exeter City, time que em 1902 jogou um amistoso contra a primeira seleção brasileira da história; ou o Oxford United, que já foi campeão da F.A. Cup, o torneio de futebol mais antigo do mundo e do qual ainda falaremos. O Oxford joga em um moderno estádio para 12.500 pessoas, mas há também pequenos clubes, como o Farsley Celtic, que tem um estádio para somente 500 espectadores sentados e que na temporada anterior (2005-6) teve uma média de 390 pagantes. De qualquer forma, a Blue Square Premier ou 5a. Divisão tem seus resultados publicados nos jornais e vários dos seus jogos transmitidos por canais a cabo de televisão em rede nacional. E os dois melhores colocados sobem para a elite dos 92 League Clubs.


Abaixo da 5a. Divisão, não temos mais divisões nacionais e sim divisões regionais. Por exemplo: a 6a. Divisão é dividida em Blue Square North e Blue Square South, ou seja, 6a. Divisão-norte (onde estão os 3 clubes mencionados no início deste artigo) e 6a. Divisão-sul. Os melhores clubes de cada uma destas sub-divisões regionais, após o fim dos respectivos campeonatos disputam um playoff para estabelecer quais clubes serão promovidos para a Blue Square Premier. Os piores de cada sub-divisão também disputam um playoff para ver quem cai para as subdivisões da 7a. Divisão, por sua vez tripartida em Unibond Premier, BGB South Premier e Ryman Premier. Cada uma destas, por sua vez, subdivide-se em duas. O que faz com que tenhamos temos 6 subdivisões na 8a. divisão. Está difícil de acompanhar? Vamos fazer mais um esquema:


BLUE SQUARE PREMIER – 24 clubes


BLUE SQUARE SOUTH – 22 clubes BLUE SQUARE NORTH – 22 clubes


UNIBOND PREMIER -21clubes BGB SOUTHERN PREMIER-22 clubes RYMAN PREMIER-22 clubes


Aqui somente os times mais fortes têm alguns semi-profissionais e a maioria dos jogadores é composta por amadores. E assim continua até aproximadamente a 16a. Divisão, subdividida em inúmeras pequenas ligas regionais. Só para ter uma idéia: abaixo da 8a. Divisão, a 9a. Divisão tem nove pequenas ligas, cujos melhores clubes disputam um playoff para subirem um degrau na pirâmide do futebol inglês. Teoricamente, portanto, um time de amadores poderia ir subindo, subindo, até chegar na Premier League... Além de absolutamente improvável, todavia, iria demorar quase uns vinte anos, mesmo que o time fosse promovido todo ano.

É claro que além disso há também as Sunday Leagues, compostas somente por amadores sem maiores pretensões, veteranos barrigudos, no melhor estilo solteiros x casados. Como o nome indica jogam sempre aos domingos. É para o pessoal poder assistir aos jogos das ligas mais importantes, que acontecem (quase) sempre aos sábados. Eta pessoal fominha...


segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Oxford Ladies riding high




Oi, pessoal, a crônica dessa semana está novamente em inglês, mas vou dar uma colher de café e a tradução vem logo a seguir. Foi um artigo que publiquei no Oxford Mail sobre o time de futebol feminino do Oxford United (é claro). Já assisti a 3 partidas das Oxford United Ladies e resolvi contar um pouquinho acerca do esforço do técnico e das jogadoras. O artigo mostra que o preconceito contra o futebol feminino não é privilégio do Brasil. Espero que seja interessante e ajude um pouquinho a manter acesa a chama do futebol feminino depois da brilhante Copa do Mundo. Elas têm direito e merecem!





(publicado no Oxford Mail em 26 de outubro de 2007)








UNITED'S SUCESSFUL LADIES ARE RIDING HIGH


Answer quickly: Which Oxford team today ranks highest in the football pyramid? Oxford United - yes, Oxford United Ladies, writes MARCOS ALVITO.
While the U's struggle in non-League and Oxford City compete in the eighth tier, United Ladies play in the fourth level of women's national football.
Formed in 2005/6, they were crowned champions in their first season, winning all 25 matches, in addition to the Thames Valley Cup and OxfordShire Cup.
The following year they were promoted again. Today they play in the Regional Southern Premier Division.
“I don't understand how people cannot play football. It doesn't make sense to me,” says Captain Kim Leslie Pringle, 24.
A tough and skilled defender, Kim had already played in the first division with Readind Ladies before joining Oxford United Ladies in the midst of their first season. She would love to play professionally.
“If you love football you would do anything to play all day, everyday.”, said Pringle, who graduated in Sports Science from Abingdon College and works for Oxford City Council.
The other players also work or study. They all come together to practice two nights a week, near Horspath Road Athletic Track.
Some travel one hour by train to be there.
Such dedication is also shown during matches, some playing with injuries.
They wash their kits, clean their own boots and reach into their own pockets to maintain the club.
Sometimes they drive themselves to away matches, leaving early in the morning and arriving home late at night.
Their manager, Paul Davis, has a UEFA B license, the same held by Chelsea's manager, Avram Grant.
He runs the club in a professional manner. The girls must arrive two hours before the match.
As they play on Sunday afternoons (kick-off at 2 pm), he has asked them not to go out on Saturday nights, a severe demand for a team composed mainly of under 25-year-olds.
Co-Captain and defender Katherine Boardman, 24, wears the yellow shirt proudly, not only as a player, but also a Oxford United diehard fan and season-ticket holder.
She learned to be a tough player practicing with her brothers and other boys, believes there is still prejudice against women's football but having the World Cup being shown on BBC has helped curb that.
Pringle is not so optimistic, though, as she said some men still ask if the girls play on a smaller pitch and are surprised by the fact that they play for the same ninety minutes!
However, Pringle is passionate about the game.
Why? As Kim puts it, in her straightforward manner: “It just gets you away from everything, you have to play, you just forget about everything.
For the 90 minutes that you play football, it is just football, there’s nothing else there.”
Marcos Alvito is a Brazilian anthropologist currently living in Oxford and writing a book on English Football Culture called The Queen in Boots: 200 days of English Football.


For more information about Oxford Ladies, visit http://www.oulfc.co.uk/.



TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS FEITA NO PARAGUAI... (ficou terrível, tentem ler no original)


BEM SUCEDIDAS MENINAS DO UNITED VOANDO ALTO


Responda rápido: hoje em dia qual time de Oxford ocupa o lugar mais alto na pirâmide do futebol? Oxford United - sim... Oxford United Ladies, escreve MARCOS ALVITO.

Enquanto os U's ´[apelido do Oxford United] sofrem na 5a. divisão e o Oxford City compete na 8a., o Oxford United Ladies joga na 4a. divisão nacional do futebol feminino.

Formado em 2005/6, o clube foi campeão na primeira temporada, ganhando todos os 25 jogos, além da Thames Valley Cup e da Oxfordshire Cup.

No ano seguinte foram novamente promovidas. Hoje elas jogam na Regional Southern Premier Division.

"Eu não entendo como alguém pode não jogar futebol. Não faz sentido para mim," diz a capitã Kim Leslie Pringle, 24.

Uma beque central firme e habilidosa, Pringle já jogou na Primeira Divisão com as Reading Ladies antes de ingressar no Oxford United no meio da sua primeira temporada. Ela adoraria jogar profissionalmente.

"Se você ama o futebol, você faria qualquer coisa para jogar o dia todo, todos os dias," diz Pringle, que é formada em Ciência do Esporte pelo Abingdon College e trabalha para a prefeitura de Oxford.

As outras jogadoras também trabalham e estudam. Elas reunem-se para treinar duas noites por semana no campo do centro de atletismo Horspath.

Algumas viajam uma hora de trem para chegar lá.

Tanta dedicação é também demonstrada durante os jogos, algumas delas jogando contundidas.

Elas lavam seus uniformes, limpam suas chuteiras e tiram do próprio bolso para manter o clube.

Algumas vezes são obrigadas a dirigir quando jogam fora de casa, saindo de manhã cedinho e voltando tarde da noite.

O técnico delas, Paul Davis, tem uma licença UEFA B, a mesma possuída pelo atual técnico do Chelsea, Avram Grant.

Ele dirige o clube de uma forma profissional. As jogadoras precisam chegar duas horas antes do jogo.

Como elas jogam no domingo à tarde (início às 14h), ele pediu a elas que não saíssem nos sábados à noite, um pedido espartano para um time composto predominantemente por moças abaixo dos 25 anos.

A co-capitã e defensora Katherine Boardman, 24, veste a camisa amarela com orgulho - não somente como jogadora, mas também como uma fanática torcedora do United e portadora de um cartão permanente do clube (season-ticket).

Ela aprendeu a ser uma jogadora dura praticando com seus irmãos e outros meninos, e acredita que ainda há preconceito contra o futebol feminino na Inglaterra, mas que a transmissão da Copa do Mundo pela BBC ajudou a diminuir o problema.

Pringle não é tão otimista, pois ela afirma que alguns homens ainda perguntam se as meninas jogam em um campo menor e ficam surpresos ao saber que elas jogam durante os mesmos 90 minutos!

Entretanto, Pringle é apaixonada pelo jogo.

Por quê? Como ela diz, na sua maneira direta: "Quando você tem que jogar, o futebol faz você esquecer de tudo.

Durante os 90 minutos que você joga futebol, nada mais importa."

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Muito além do futebol

(Publicado em O Estado de São Paulo no dia 22 de outubro de 2007)




Muito além do futebol




Marcos Alvito







Através da panorâmica janela de vidro, avista-se o bem cuidado gramado do Oxford United Football Club. Não estamos, todavia, em um box corporativo ou nas tribunas especiais reservadas aos diretores. Estamos numa sala de aula. Uma sala de aula diferente.


Diante de Ed Duckham, 41 anos, ex-professor de História e Educação Física, estão 15 crianças de 10 anos, ouvindo atentamente. Elas são de uma escola primária da região. Virão aqui uma vez por semana. Durante seis tardes, aprenderão matemática, inglês e principalmente computação. Mas não da forma usual e sim utilizando a paixão pelo futebol como elemento motivador. Semana passada eles aprenderam a mexer com programas de fotografia elaborando um passe de entrada no estádio para si próprios. Hoje estão aprendendo inglês: sua tarefa é criar um novo hino para o clube.
Primeiro Ed faz alguns exercícios de ortografia. Em um telão do tipo daqueles que são usados nos pubs para transmitir os jogos da Premier League, há frases que têm de ser completadas pelos meninos e meninas. Cada um deles usa um controle que parece controle remoto de televisão, mas na verdade permite a eles escolher a resposta certa. E o rendimento e os acertos de cada um são automaticamente registrados pelo computador. Isto permite ao professor perceber rapidamente que alunos estão tendo mais dificuldade. Em seguida, Duckham compõe uma música junto com eles, novamente usando um programa de computador. Está música servirá de base à letra que cada um irá escrever. Isto foi só o aquecimento.
Agora vem a parte mais emocionante: saímos da bem equipada sala, onde há um computador de última geração para cada um e descemos para os vestiários. Ali, diante de uma platéia que parece beber cada uma das suas palavras, olhinhos de criança brilhando, No quadro negro, a escalação real da última partida jogada pelo Oxford United. Na parede, uma camisa amarela de um dos jogadores. Ed pede para eles imaginarem-se como jogadores antes de entrarem em campo. Eles registram três palavras que sintetizam a experiência. É tudo rápido, dinâmico, as crianças não têm a menor dificuldade em cumprir a tarefa. Há um ar de aventura que deveria existir em toda a sala de aula.
Os alunos-jogadores atravessam o túnel para entrar em campo diante de doze mil torcedores imaginários. Escrever o hino do clube é a próxima tarefa. O professor (vestido como um jogador de futebol), pede a eles que sentem-se nas arquibancadas mantendo uma distância de pelo menos dez assentos entre eles. Aproveito aqueles minutos para conversar um pouco com ele. “Eu era professor há cinco anos, mas percebia que hoje em dia as crianças não são mais capazes de ficar paradas diante de alguém a falar”. Adora seu trabalho aqui, só lamenta não poder ficar mais tempo com as crianças: “Eu conheço pelo menos 3 mil crianças em Oxford, mas nenhuma delas muito bem, porque o período que passam comigo é muito breve”. Ele recusou uma oferta do Chelsea, seu time do coração, para continuar trabalhando no Oxford Learning United.
Escritas as letras, voltamos para a sala de aula, onde agora as crianças fazem um lanchinho de torrada com queijo e geléia. E começa o segundo tempo: agora vão juntar letra e música, usando um programa de computador que simula diversos tipos de vozes. Cada novo “hino” do clube é então gravado por eles em sua pasta individual no computador. O computador só aceita palavras corretamente digitadas, o que proporciona mais um prazeroso exercício de ortografia. Ed avisa que os dois melhores serão colocados no site do clube. Imaginem a emoção de um garoto ou menina de dez anos a criar um novo hino para o Flamengo....
Prorrogação: bolar um novo uniforme para o clube. Aqui a diferença entre meninos e meninas é gritante. Eles são mais conservadores, praticamente não alteram as cores azul e amarela do Oxford United. Já as meninas desenham uniformes cor de rosa, multicolores, incluindo fotos e por aí vai. Quando perguntei a Ed se ele percebia alguma diferença entre meninos e meninas em termos de entusiasmo ele disse que não. Na verdade, até os 12-3 anos as meninas são tão ou mais entusiasmadas com o trabalho. A partir dessa idade elas já querem conhecer os jogadores...
Terminado o jogo, os alunos-jogadores recebem seu prêmio: uma borrachinha amarela com o boi que simboliza o Oxford United. É que a palavra Oxford vem de Ox (boi) Ford (passagem). Oxford era um bom local para atravessar o rio Tâmisa com os bois. Ed Duckham explica que aquelas borrachas não estão à venda na loja do clube. Por falar nisso, na semana seguinte irão aprender matemática a partir de um exercício na loja do clube.
É a hora de entrevistar os craques. Primeiro converso com Georgia, 10 anos, sorriso inteligente e cheio de vida. Ela diz que a aula aqui é muito mais divertida do que na escola e que na verdade aprende-se mais. Ela não tinha time até hoje, mas agora passou a torcer pelo Oxford United. Só joga futebol nas aulas de Educação Física, pois ela na verdade é uma amazona. Tassif, com a mesma idade, parece mais tímido mas é igualmente vivaz e inteligente. Ele diz que mudou de escola várias vezes. Tassif escreve com muita facilidade o trabalho feito naquela tarde, mas pensa dois segundos antes de comparar a escola normal com o Oxford Learning United, com prejuízo para a New Marsten Primary School onde ele e Georgia estudam. Ele é torcedor do Manchester United.
O Oxford Learning United é parte de um programa do Ministério de Educação da Inglaterra. Chama-se Playing for Success e envolve clubes de futebol, rugby e cricket em toda a Inglaterra. Fico imaginando um projeto semelhante no Brasil, guardadas as devidas proporções. Na terra de Pelé e Ronaldinho, em que quase toda a criança sonha em ser jogador, o futebol ainda é um continente inexplorado em termos das suas possibilidades em sala de aula. Nossas “escolinhas de futebol” servem somente para os clubes embolsarem alguns trocados às custas do sonho quase impossível de se tornar um jogador de futebol. Nos dias em que não há partidas, nossos estádios são gigantes adormecidos e inúteis. E muitos deles são financiados com dinheiro público de governos estaduais e prefeituras pelo Brasil afora.
Para os clubes envolvidos no projeto, o interesse é duplo. Por um lado, desenvolvem um trabalho de responsabilidade social junto à comunidade local. Por outro, aproveitam para tentar conquistar novos fãs. Os meninos e meninas recebem ingressos para assistir a um jogo do Oxford United. Lamentavelmente, devido à configuração atual do futebol, os clubes da poderosa Premier League são preferidos de muitos: Chelsea, Arsenal e Manchester United. Mas três deles dizem torcer para o Oxford – além de duas meninas que insistiam em dizer que torciam pelo Brasil. Mas isso não tem tanta importância. Porque o que aconteceu nesta bela tarde de verão vai muito além do futebol.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Yellow Submarine




Oi, pessoal, a crônica desta semana está em inglês. O motivo é simples: foi publicada em 11 de outubro no programa do Oxford United F.C., dia do jogo contra o Torquay (ver foto acima). Foi escrita a pedido do Press Officer do clube, Chris Williams, depois que eu visitei o estádio, assisti alguns jogos e vi um trabalho lindíssimo que utiliza o futebol para ensinar Inglês, Matemática e Computação (crônica que está para ser publicada no Estadão). Resolvi não traduzir porque algumas (senão todas) piadas são intraduzíveis. Como o meu inglês está mais para Western-Spaghetti do que para Shakespeare, tenho certeza que vocês não terão dificuldade em ler.





Yellow Submarine




For Jack Casley
I still don't hate Swindon, but I'm working on it. The first time I came to Oxford was two years ago, unfortunately during the non-football season. All I could do was bike myself until I-am-not-going-to-write-his-name Stadium and peek through the fence to admire our perfect pitch. I did go to the club shop and bought a nice mug, but that was all. Two years later and here I am, writing this humble testimony of a Brazilian's love for the Yellows. How did that happen? I am currently writing a book called The Queen in Boots: 200 days of English Football. Living in Oxford, I have decided to see some matches and write about a club now (temporarily) at Conference Level. First match: a friendly, and a 2x1 win over Bornemouth. Good start. Then another friendly, this time a draw with Wycombe, 1x1. By then I still couldn`t understand all the songs, but this time I could grasp the fans' passion and heard “If you hate Swindon, stand up” for the first time.” But I didn't move an inch.
Next step... researching and reading about the club, discovering its rich and interesting past: two successive promotions, Milk Cup, Robert Maxwell and you know who. After e-mailing the club, Chris Williams gave me a special tour of Oxford United, talking openly about the club's challenges with a true fan insight. That was all it took for me to embark in the Yellow Submarine. When I visited Oxford Learning United and saw the wonderful work Ed Duckham does with boys and girls from local schools I caught Yellows' Fever...
So here I was, on a very cold Tuesday night (for Brazilian standards at least), hoping Jim Smith's boys could hammer Salisbury for good. I went disguised as a Brazilian writer, but It took all my will power not to celebrate our second goal, when Duffy scored a penalty kick with flair and class. Wise Ambrose had given me this prophetic tip: people don't celebrate in the press section, they just clap.
Flamengo has been my passion for 47 well lived years. It is the most popular Brazilian football team, and we supporters, 35 million and counting, call ourselves “the red and black nation.” We were national champions five times and even beat Liverpool 3x0 in the 1981 Toyota Cup. So, when I came to England I hoped to support a popular club, probably in the Premier League. But after watching some Premier League matches I couldn't feel anything towards any of these powerful and very rich clubs. As the old Beatles song says “Can't buy me love”...
When I visited Oxford United I was struck by professionalism combined with true fan enthusiasm. That cold night against Salisbury I interviewed our first professional player, Jack Casley, 81, just minutes before the start of the match. After all these years, his eyes still shine when he talks about the Yellows. That is why I am quite sure, poor Swindon, next time I am going to stand up.


Marcos Alvito

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Kia e a Liga dos Magnatas

(publicado no Estadão em 16 de setembro de 2007; aqui vai a crônica original, um pouquinho mais apimentada do que a versão publicada no jornal)



Marcos Alvito



Pode não servir de consolo aos corintianos, mas Kia Joorabchian também andou aprontando aqui na Inglaterra. Todos se lembram que Tevez foi escolhido o melhor jogador do Campeonato Brasileiro de 2005. Em seguida, KJ empresta Tevez e Mascherano ao West Ham, um clube mediano da bilionária Premier League. E Tevez acabou fazendo gols importantes, levando o West Ham a vencer sete dos seus últimos nove jogos e evitando o rebaixamento do clube. Acontece que pela legislação inglesa os direitos federativos de um jogador não podem estar nas mãos de terceiros. Ou seja, a contratação de Tevez foi aquilo que um jornalista inglês chamou de “farsa”. Aí começou a confusão. KJ, depois de ver a sua mercadoria valorizada, queria repassá-la ao Manchester United, um dos clubes mais ricos do planeta. O West Ham não queria liberar Tevez. Outros clubes queriam ver o West Ham perder os pontos e ser rebaixado. As autoridades da Premier League lavaram as mãos. Impuseram uma pesada multa de 5,5 milhões de libras (22 milhões de reais) ao West Ham, mas não o fizeram perder pontos. Tevez, é claro, começou a temporada atual vestindo a camisa vermelha do Manchester United.
Kia, na verdade, é apenas a ponta de um iceberg de corrupção envolvendo os clubes da Premier League. Antes da temporada atual começar, estourou um escândalo envolvendo relações duvidosas entre técnicos e empresários. Isto levou a polícia inglesa a invadir a sede de três clubes de madrugada, como se Rangers, Portsmouth e Newcastle fossem fortalezas da máfia. E talvez sejam...
Boa parte dos bilhões que circulam na poderosa primeira divisão inglesa vieram de fora. De vinte clubes, nove têm proprietários estrangeiros. Alguns, de reputação duvidosa, como o primeiro estrangeiro a comprar um clube da então Premiership no verão de 2003, o agora famoso Roman Abramovich. Em apenas dois anos ele investiu 210 milhões de libras. Com o dinheiro russo, um arrogante e polêmico técnico português - José Mourinho, agora desempregado - e dúzias de jogadores estrangeiros dos quatro cantos do globo, o Chelsea foi campeão inglês nas temporadas de 2004-5 e 2005-6, além de ter chegado quase até a final da Champions League. Diz-se que a fortuna de Abramovich é proveniente das nebulosas privatizações ocorridas após o fim do regime comunista na Rússia. Devem ter sido ótimos negócios, porque Abramovich teve um prejuízo de 80 milhões de libras somente na temporada 2005-6 e mesmo assim não dá sinais de que vá cessar de botar a mão no bolso. Qual será a razão de tanto desprendimento ? Perguntem ao Kia...
O mais recente membro deste seleto clube é Thaksin Shinawatra, ex-primeiro ministro da Tailândia, que comprou o Manchester City em julho de 2007. Ex-oficial da polícia, Thaksin tornou-se bilionário como proprietário de uma empresa do setor de telefonia móvel e mídia. Chegou ao poder em 2001. Derrubado por um golpe militar em outubro de 2006, exilou-se na Inglaterra. Hoje ele é processado por corrupção pelo atual governo, que congelou um bilhão de libras da fortuna de Shinawatra. Além disso, a respeitada organização mundial de direitos humanos Human Rights Watch encaminhou um protesto formal à Premier League, acusando o atual proprietário do Manchester City de ser um “transgressor dos direitos humanos da pior espécie”. Detalhes? Ataques à liberdade de imprensa e uso de uma suposta guerra às drogas para desaparecer com pessoas desagradáveis. Na Tailândia ele é chamado de Ai Na Liam, “o cara quadrada”, um trocadilho para trambiqueiro. A Premier League, cujo regulamento estabelece que para ser proprietário de um clube é preciso ser uma pessoa “correta e honesta”, fez de conta que não sabia de nada e lavou as mãos novamente.
Não é de estranhar este pragmatismo (para dizer o mínimo) da Premier League. A então Premiership foi criada em 1992 exatamente para romper as últimas amarras que impediam a transformação da primeira divisão da liga em um negócio bilionário. Antes de 1992, por exemplo, o dinheiro proveniente dos direitos de televisão era repartido pela Football League de forma razoavelmente equilibrada: 50% iam para os clubes da antiga 1a. Divisão, 25% para os da 2a. e os clubes da 3a. e 4a. divisões dividiam os restantes 25%. Hoje em dia a Premier League negocia com exclusividade os direitos de tv de um campeonato que é transmitido para mais de 200 países. Para as três temporadas entre 2007-8 e 2009-10, estes direitos foram vendidos por 2,7 bilhões de libras. Desta soma inacreditável, apenas 1,2% vai para a Football League (leia-se, os clubes da 2a., 3a. e 4a. Divisões).
As consequências mais danosas, todavia, talvez tenham sido as esportivas. Dinheiro chama dinheiro, reza o ditado. Os clubes mais ricos, que podem investir em melhores jogadores, tendem a monopolizar as melhores colocações, arrebatando prêmios, conseguindo patrocínios milionários e a parte do leão dos direitos de tv. A boa colocação também permite a participação nas competições européias (sobretudo a riquíssima Champions League), o que traz mais dinheiro de direitos de tv, prêmios por participação, patrocínio etc. Com isso conseguem mais dinheiro, que permite comprar melhores jogadores e por aí vai... Não admira que já se vendam camisas dizendo “De saco-cheio dos quatro grandes”. Há também reações mais politizadas e organizadas. Torcedores inconformados com a venda do Manchester United para um milionário americano criaram um clube próprio, chamado FC United of Manchester. Codinome: rebels (rebeldes).
Mas por enquanto, a liga de futebol mais rica do mundo não está dando a menor bola para os protestos ou para os esquemas alternativos. Ou seja, pouco importa que Thaksin Shinawatra seja tailandês, Abramovich e Gaydamak (Portsmouth) russos, Eggert Magnusson (West Ham) islandês e Carson Yeung (Birmingham City) chinês de Hong Kong. Ou até que Kia Joorabchian seja iraniano.Todos eles falam muito bem a única língua entendida na Premier League: grana.


A PRÓXIMA CRÔNICA, a INÉDITA "Yellow Submarine", será postada na 3a. feira, 16 de outubro

terça-feira, 2 de outubro de 2007

O verdadeiro país do futebol

A RAINHA DE CHUTEIRAS: 200 dias de futebol na Inglaterra

Marcos Alvito

O verdadeiro país do futebol (crônica publicada em O Estado de São Paulo, no dia 2 de setembro de 2007; aqui vai a crônica original, um pouco maior)

Nossos políticos podem não ser grande coisa, mas todo brasileiro nasce, cresce e morre pensando que vive no país do futebol. Talvez seja melhor escolher com cuidado o seu candidato nas próximas eleições, porque o país do futebol é a Inglaterra. Claro, só o Brasil é penta (por enquanto), Pelé não nasceu em Oxford e David Beckham não chega a valer um drible do Ronaldinho. Todavia, caro leitor, em que país os jornais publicam os resultados da 5a. Divisão ? Aliás, publicam os resultados da 6a. Divisão. Os da 5a. Divisão são analisados um a um e por vezes são transmitidos na televisão a cabo, ou seja, há torcedores dispostos a pagar para vê-los. Em que país os torcedores colecionam os programas dos jogos ? Sim, porque jogo de futebol na Inglaterra é que nem ópera, tem programa e tudo, que inclui não somente as escalações, tabela com os próximos jogos e fotos dos ídolos, mas até a história do clube adversário. Estas relíquias são passadas de pai para filho e podem ser leiloadas a um bom preço décadas depois. Vendem-se também estojos de couro para que elas possam ser guardadas com carinho.
Tá certo, futebol não é ópera, mas o nosso argumento aqui é o seguinte: a cultura do futebol é muito mais forte na Inglaterra: brasileiro adora jogar futebol, adora ver futebol e discutir futebol. O inglês, além de tudo isso, viaja centenas de quilômetros de trem para ver seu clube (estou falando de torcedores normais, não se trata de torcidas organizadas como no Brasil) , enfrentando frio, chuva e neve, e eventualmente a torcida adversária e a polícia. Dezenas de milhares adquirem o pacote de todos os jogos do seu time durante a temporada, e muitos deles gabam-se de não haver perdido um só jogo durante décadas. E não estou falando somente dos grandes times como no Brasil, cujos 13 maiores clubes concentram 80% da torcida. Na Inglaterra o cara torce para o Birmingham City, um time que não ganhou nada em 130 anos de história e que mesmo nas últimas colocações leva mais de 20 mil pessoas ao estádio. Ou para o Oxford United, que já ganhou alguma coisa mas hoje está na 5a. Divisão e teve média de quase 7 mil espectadores por jogo na temporada passada (2006-7), pouco abaixo da média de público do campeonato brasileiro de 2004, que foi de 8 mil torcedores.
O futebol no Brasil tem pouco mais de 100 anos, enquanto os ingleses já falavam de futebol há quatrocentos anos atrás, dêem uma olhada no Rei Lear de Shakespeare para ver se estou mentindo. Por falar nisso, no campo das publicações os ingleses dão de goleada, sem dúvida refletindo um maior grau de escolaridade e renda. Enquanto os nossos literatos, no dizer de Nelson Rodrigues, não sabem bater um mísero corner, na Inglaterra montanhas de livros sobre futebol chegam às livrarias todos os anos. Há de tudo um pouco: enciclopédias, livros sobre a história de um clube ou do seu estádio, biografias autorizadas ou não de jogadores, técnicos, dirigentes (sim, sim) e até de juízes (aí já é demais !). Até os piores hooligans escrevem suas memórias (ou pagam alguém para fazê-lo) e há também os livros acadêmicos que tentam explicar esse e outros fenômenos. Há também grande literatura, como o merecido best-seller de Nick Hornby, Fever Pitch, contando as memórias de um torcedor fanático (redundância) do Arsenal na década de 80. Esse e muitos outros livros foram para a tela do cinema, alguns com muito sucesso, como Football Factory, uma fictícia memória de um hooligan que virou série de televisão.
Além dos já referidos programas oficiais dos jogos, há os fanzines, publicações irreverentes escritas por torcedores para protestar contra tudo: desde o preço dos ingressos e o atacante que não faz gol até a venda do clube para um milionário estrangeiro. Ou seja, o torcedor lê futebol, escreve futebol, respira futebol. A grande imprensa publica cadernos de esportes com até 20 páginas em que o futebol é o centro. Antes do início da temporada de futebol todos os jornais publicam suplementos especiais contendo não somente as previsões, contratações e análises, mas instruções detalhadas de como viajar até um estádio, quais os pubs onde é seguro beber sem ser linchado pela torcida adversária e até sobre a qualidade das tortas salgadas servidas no estádio, cuja arquitetura também é comentada. Isso para ficar somente nos jornais. No rádio, até a famosa e respeitável BBC tem uma estação exclusiva para esportes onde o futebol é o maior destaque, é claro. Há vários programas em que os torcedores debatem com os comentaristas diretamente, ao vivo. É melhor nem falar da televisão; basta dizer que os direitos de transmissão das próximas 3 temporadas foram vendidos pela módica quantia de 2,7 bilhões de libras (aproximadamente 11 bilhões de reais).
As apostas, sobretudo em jogos de futebol, são uma grande indústria (é uma dessas empresas que patrocina o já tão comentado campeonato da 5a. Divisão), e você pode apostar em quase tudo: quem vai vencer, o resultado exato do jogo, que jogador vai marcar primeiro ou por último, quando vai sair o primeiro gol e por aí vai. Muitas vezes há casas de apostas dentro dos estádios e é claro que se pode apostar pela Internet.
Claro, você é brasileiro e não desiste nunca. Mas que tal essa: já ouviu falar de algum apaixonado torcedor brasileiro que tenha solicitado que após a morte suas cinzas sejam espalhadas sobre o campo ? Não ? Pois bem, um único clube, o Manchester United, recebe 25 pedidos deste tipo por ano. Seu vizinho menos rico, o Manchester City, recebe apenas 12... Em 1993 a Football Association teve que publicar instruções sobre como atender a estes pedidos sem prejudicar os gramados. Acontece que a maioria dos defuntos tem preferência pelo círculo central e pela marca do pênalti como destino final. Uma das dicas da Football Association: “procure espalhar bem as cinzas, a concentração num determinado local pode matar a grama”.
Não está convencido ainda ? Tudo bem. Nas próximas páginas vamos tratar de assuntos como os já mencionados e outros como os cantos dos torcedores, a importância dos pubs para o futebol, as rivalidades mais incendiárias, o que os ingleses pensam do futebol brasileiro (que eles chamam de jogo bonito), hooligans, o futebol retratado pelas artes plásticas, rugby (um primo do futebol), a história do futebol inglês e por aí vai. Pode ser até que você não fique convencido de que a Inglaterra é o verdadeiro país do futebol, mas não fique muito certo disso. Afinal, o futebol, no Brasil ou na Inglaterra, é uma caixinha de surpresas.


PRORROGAÇÃO:
Vou até Nottingham, terra do famoso xerife que nunca conseguia prender o Robin Wood. O time da casa, N.Forest, enfrenta o Leeds (ver crônica "Duelo na Terra de Robin Hood", ainda a ser postada neste blog). Pois bem, avisto um torcedor devidamente trajado nas cores do Leeds (amarelo e branco), mas estranho o fato dele estar sentado com um cachorro a seus pés. O animal era um cachorro-guia. O sujeito era cego...


A PRÓXIMA CRÔNICA, "Kia e a Liga dos Magnatas", será postada na 3a. feira, 9 de outubro