segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Oxford Ladies riding high




Oi, pessoal, a crônica dessa semana está novamente em inglês, mas vou dar uma colher de café e a tradução vem logo a seguir. Foi um artigo que publiquei no Oxford Mail sobre o time de futebol feminino do Oxford United (é claro). Já assisti a 3 partidas das Oxford United Ladies e resolvi contar um pouquinho acerca do esforço do técnico e das jogadoras. O artigo mostra que o preconceito contra o futebol feminino não é privilégio do Brasil. Espero que seja interessante e ajude um pouquinho a manter acesa a chama do futebol feminino depois da brilhante Copa do Mundo. Elas têm direito e merecem!





(publicado no Oxford Mail em 26 de outubro de 2007)








UNITED'S SUCESSFUL LADIES ARE RIDING HIGH


Answer quickly: Which Oxford team today ranks highest in the football pyramid? Oxford United - yes, Oxford United Ladies, writes MARCOS ALVITO.
While the U's struggle in non-League and Oxford City compete in the eighth tier, United Ladies play in the fourth level of women's national football.
Formed in 2005/6, they were crowned champions in their first season, winning all 25 matches, in addition to the Thames Valley Cup and OxfordShire Cup.
The following year they were promoted again. Today they play in the Regional Southern Premier Division.
“I don't understand how people cannot play football. It doesn't make sense to me,” says Captain Kim Leslie Pringle, 24.
A tough and skilled defender, Kim had already played in the first division with Readind Ladies before joining Oxford United Ladies in the midst of their first season. She would love to play professionally.
“If you love football you would do anything to play all day, everyday.”, said Pringle, who graduated in Sports Science from Abingdon College and works for Oxford City Council.
The other players also work or study. They all come together to practice two nights a week, near Horspath Road Athletic Track.
Some travel one hour by train to be there.
Such dedication is also shown during matches, some playing with injuries.
They wash their kits, clean their own boots and reach into their own pockets to maintain the club.
Sometimes they drive themselves to away matches, leaving early in the morning and arriving home late at night.
Their manager, Paul Davis, has a UEFA B license, the same held by Chelsea's manager, Avram Grant.
He runs the club in a professional manner. The girls must arrive two hours before the match.
As they play on Sunday afternoons (kick-off at 2 pm), he has asked them not to go out on Saturday nights, a severe demand for a team composed mainly of under 25-year-olds.
Co-Captain and defender Katherine Boardman, 24, wears the yellow shirt proudly, not only as a player, but also a Oxford United diehard fan and season-ticket holder.
She learned to be a tough player practicing with her brothers and other boys, believes there is still prejudice against women's football but having the World Cup being shown on BBC has helped curb that.
Pringle is not so optimistic, though, as she said some men still ask if the girls play on a smaller pitch and are surprised by the fact that they play for the same ninety minutes!
However, Pringle is passionate about the game.
Why? As Kim puts it, in her straightforward manner: “It just gets you away from everything, you have to play, you just forget about everything.
For the 90 minutes that you play football, it is just football, there’s nothing else there.”
Marcos Alvito is a Brazilian anthropologist currently living in Oxford and writing a book on English Football Culture called The Queen in Boots: 200 days of English Football.


For more information about Oxford Ladies, visit http://www.oulfc.co.uk/.



TRADUÇÃO PARA O PORTUGUÊS FEITA NO PARAGUAI... (ficou terrível, tentem ler no original)


BEM SUCEDIDAS MENINAS DO UNITED VOANDO ALTO


Responda rápido: hoje em dia qual time de Oxford ocupa o lugar mais alto na pirâmide do futebol? Oxford United - sim... Oxford United Ladies, escreve MARCOS ALVITO.

Enquanto os U's ´[apelido do Oxford United] sofrem na 5a. divisão e o Oxford City compete na 8a., o Oxford United Ladies joga na 4a. divisão nacional do futebol feminino.

Formado em 2005/6, o clube foi campeão na primeira temporada, ganhando todos os 25 jogos, além da Thames Valley Cup e da Oxfordshire Cup.

No ano seguinte foram novamente promovidas. Hoje elas jogam na Regional Southern Premier Division.

"Eu não entendo como alguém pode não jogar futebol. Não faz sentido para mim," diz a capitã Kim Leslie Pringle, 24.

Uma beque central firme e habilidosa, Pringle já jogou na Primeira Divisão com as Reading Ladies antes de ingressar no Oxford United no meio da sua primeira temporada. Ela adoraria jogar profissionalmente.

"Se você ama o futebol, você faria qualquer coisa para jogar o dia todo, todos os dias," diz Pringle, que é formada em Ciência do Esporte pelo Abingdon College e trabalha para a prefeitura de Oxford.

As outras jogadoras também trabalham e estudam. Elas reunem-se para treinar duas noites por semana no campo do centro de atletismo Horspath.

Algumas viajam uma hora de trem para chegar lá.

Tanta dedicação é também demonstrada durante os jogos, algumas delas jogando contundidas.

Elas lavam seus uniformes, limpam suas chuteiras e tiram do próprio bolso para manter o clube.

Algumas vezes são obrigadas a dirigir quando jogam fora de casa, saindo de manhã cedinho e voltando tarde da noite.

O técnico delas, Paul Davis, tem uma licença UEFA B, a mesma possuída pelo atual técnico do Chelsea, Avram Grant.

Ele dirige o clube de uma forma profissional. As jogadoras precisam chegar duas horas antes do jogo.

Como elas jogam no domingo à tarde (início às 14h), ele pediu a elas que não saíssem nos sábados à noite, um pedido espartano para um time composto predominantemente por moças abaixo dos 25 anos.

A co-capitã e defensora Katherine Boardman, 24, veste a camisa amarela com orgulho - não somente como jogadora, mas também como uma fanática torcedora do United e portadora de um cartão permanente do clube (season-ticket).

Ela aprendeu a ser uma jogadora dura praticando com seus irmãos e outros meninos, e acredita que ainda há preconceito contra o futebol feminino na Inglaterra, mas que a transmissão da Copa do Mundo pela BBC ajudou a diminuir o problema.

Pringle não é tão otimista, pois ela afirma que alguns homens ainda perguntam se as meninas jogam em um campo menor e ficam surpresos ao saber que elas jogam durante os mesmos 90 minutos!

Entretanto, Pringle é apaixonada pelo jogo.

Por quê? Como ela diz, na sua maneira direta: "Quando você tem que jogar, o futebol faz você esquecer de tudo.

Durante os 90 minutos que você joga futebol, nada mais importa."

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Muito além do futebol

(Publicado em O Estado de São Paulo no dia 22 de outubro de 2007)




Muito além do futebol




Marcos Alvito







Através da panorâmica janela de vidro, avista-se o bem cuidado gramado do Oxford United Football Club. Não estamos, todavia, em um box corporativo ou nas tribunas especiais reservadas aos diretores. Estamos numa sala de aula. Uma sala de aula diferente.


Diante de Ed Duckham, 41 anos, ex-professor de História e Educação Física, estão 15 crianças de 10 anos, ouvindo atentamente. Elas são de uma escola primária da região. Virão aqui uma vez por semana. Durante seis tardes, aprenderão matemática, inglês e principalmente computação. Mas não da forma usual e sim utilizando a paixão pelo futebol como elemento motivador. Semana passada eles aprenderam a mexer com programas de fotografia elaborando um passe de entrada no estádio para si próprios. Hoje estão aprendendo inglês: sua tarefa é criar um novo hino para o clube.
Primeiro Ed faz alguns exercícios de ortografia. Em um telão do tipo daqueles que são usados nos pubs para transmitir os jogos da Premier League, há frases que têm de ser completadas pelos meninos e meninas. Cada um deles usa um controle que parece controle remoto de televisão, mas na verdade permite a eles escolher a resposta certa. E o rendimento e os acertos de cada um são automaticamente registrados pelo computador. Isto permite ao professor perceber rapidamente que alunos estão tendo mais dificuldade. Em seguida, Duckham compõe uma música junto com eles, novamente usando um programa de computador. Está música servirá de base à letra que cada um irá escrever. Isto foi só o aquecimento.
Agora vem a parte mais emocionante: saímos da bem equipada sala, onde há um computador de última geração para cada um e descemos para os vestiários. Ali, diante de uma platéia que parece beber cada uma das suas palavras, olhinhos de criança brilhando, No quadro negro, a escalação real da última partida jogada pelo Oxford United. Na parede, uma camisa amarela de um dos jogadores. Ed pede para eles imaginarem-se como jogadores antes de entrarem em campo. Eles registram três palavras que sintetizam a experiência. É tudo rápido, dinâmico, as crianças não têm a menor dificuldade em cumprir a tarefa. Há um ar de aventura que deveria existir em toda a sala de aula.
Os alunos-jogadores atravessam o túnel para entrar em campo diante de doze mil torcedores imaginários. Escrever o hino do clube é a próxima tarefa. O professor (vestido como um jogador de futebol), pede a eles que sentem-se nas arquibancadas mantendo uma distância de pelo menos dez assentos entre eles. Aproveito aqueles minutos para conversar um pouco com ele. “Eu era professor há cinco anos, mas percebia que hoje em dia as crianças não são mais capazes de ficar paradas diante de alguém a falar”. Adora seu trabalho aqui, só lamenta não poder ficar mais tempo com as crianças: “Eu conheço pelo menos 3 mil crianças em Oxford, mas nenhuma delas muito bem, porque o período que passam comigo é muito breve”. Ele recusou uma oferta do Chelsea, seu time do coração, para continuar trabalhando no Oxford Learning United.
Escritas as letras, voltamos para a sala de aula, onde agora as crianças fazem um lanchinho de torrada com queijo e geléia. E começa o segundo tempo: agora vão juntar letra e música, usando um programa de computador que simula diversos tipos de vozes. Cada novo “hino” do clube é então gravado por eles em sua pasta individual no computador. O computador só aceita palavras corretamente digitadas, o que proporciona mais um prazeroso exercício de ortografia. Ed avisa que os dois melhores serão colocados no site do clube. Imaginem a emoção de um garoto ou menina de dez anos a criar um novo hino para o Flamengo....
Prorrogação: bolar um novo uniforme para o clube. Aqui a diferença entre meninos e meninas é gritante. Eles são mais conservadores, praticamente não alteram as cores azul e amarela do Oxford United. Já as meninas desenham uniformes cor de rosa, multicolores, incluindo fotos e por aí vai. Quando perguntei a Ed se ele percebia alguma diferença entre meninos e meninas em termos de entusiasmo ele disse que não. Na verdade, até os 12-3 anos as meninas são tão ou mais entusiasmadas com o trabalho. A partir dessa idade elas já querem conhecer os jogadores...
Terminado o jogo, os alunos-jogadores recebem seu prêmio: uma borrachinha amarela com o boi que simboliza o Oxford United. É que a palavra Oxford vem de Ox (boi) Ford (passagem). Oxford era um bom local para atravessar o rio Tâmisa com os bois. Ed Duckham explica que aquelas borrachas não estão à venda na loja do clube. Por falar nisso, na semana seguinte irão aprender matemática a partir de um exercício na loja do clube.
É a hora de entrevistar os craques. Primeiro converso com Georgia, 10 anos, sorriso inteligente e cheio de vida. Ela diz que a aula aqui é muito mais divertida do que na escola e que na verdade aprende-se mais. Ela não tinha time até hoje, mas agora passou a torcer pelo Oxford United. Só joga futebol nas aulas de Educação Física, pois ela na verdade é uma amazona. Tassif, com a mesma idade, parece mais tímido mas é igualmente vivaz e inteligente. Ele diz que mudou de escola várias vezes. Tassif escreve com muita facilidade o trabalho feito naquela tarde, mas pensa dois segundos antes de comparar a escola normal com o Oxford Learning United, com prejuízo para a New Marsten Primary School onde ele e Georgia estudam. Ele é torcedor do Manchester United.
O Oxford Learning United é parte de um programa do Ministério de Educação da Inglaterra. Chama-se Playing for Success e envolve clubes de futebol, rugby e cricket em toda a Inglaterra. Fico imaginando um projeto semelhante no Brasil, guardadas as devidas proporções. Na terra de Pelé e Ronaldinho, em que quase toda a criança sonha em ser jogador, o futebol ainda é um continente inexplorado em termos das suas possibilidades em sala de aula. Nossas “escolinhas de futebol” servem somente para os clubes embolsarem alguns trocados às custas do sonho quase impossível de se tornar um jogador de futebol. Nos dias em que não há partidas, nossos estádios são gigantes adormecidos e inúteis. E muitos deles são financiados com dinheiro público de governos estaduais e prefeituras pelo Brasil afora.
Para os clubes envolvidos no projeto, o interesse é duplo. Por um lado, desenvolvem um trabalho de responsabilidade social junto à comunidade local. Por outro, aproveitam para tentar conquistar novos fãs. Os meninos e meninas recebem ingressos para assistir a um jogo do Oxford United. Lamentavelmente, devido à configuração atual do futebol, os clubes da poderosa Premier League são preferidos de muitos: Chelsea, Arsenal e Manchester United. Mas três deles dizem torcer para o Oxford – além de duas meninas que insistiam em dizer que torciam pelo Brasil. Mas isso não tem tanta importância. Porque o que aconteceu nesta bela tarde de verão vai muito além do futebol.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Yellow Submarine




Oi, pessoal, a crônica desta semana está em inglês. O motivo é simples: foi publicada em 11 de outubro no programa do Oxford United F.C., dia do jogo contra o Torquay (ver foto acima). Foi escrita a pedido do Press Officer do clube, Chris Williams, depois que eu visitei o estádio, assisti alguns jogos e vi um trabalho lindíssimo que utiliza o futebol para ensinar Inglês, Matemática e Computação (crônica que está para ser publicada no Estadão). Resolvi não traduzir porque algumas (senão todas) piadas são intraduzíveis. Como o meu inglês está mais para Western-Spaghetti do que para Shakespeare, tenho certeza que vocês não terão dificuldade em ler.





Yellow Submarine




For Jack Casley
I still don't hate Swindon, but I'm working on it. The first time I came to Oxford was two years ago, unfortunately during the non-football season. All I could do was bike myself until I-am-not-going-to-write-his-name Stadium and peek through the fence to admire our perfect pitch. I did go to the club shop and bought a nice mug, but that was all. Two years later and here I am, writing this humble testimony of a Brazilian's love for the Yellows. How did that happen? I am currently writing a book called The Queen in Boots: 200 days of English Football. Living in Oxford, I have decided to see some matches and write about a club now (temporarily) at Conference Level. First match: a friendly, and a 2x1 win over Bornemouth. Good start. Then another friendly, this time a draw with Wycombe, 1x1. By then I still couldn`t understand all the songs, but this time I could grasp the fans' passion and heard “If you hate Swindon, stand up” for the first time.” But I didn't move an inch.
Next step... researching and reading about the club, discovering its rich and interesting past: two successive promotions, Milk Cup, Robert Maxwell and you know who. After e-mailing the club, Chris Williams gave me a special tour of Oxford United, talking openly about the club's challenges with a true fan insight. That was all it took for me to embark in the Yellow Submarine. When I visited Oxford Learning United and saw the wonderful work Ed Duckham does with boys and girls from local schools I caught Yellows' Fever...
So here I was, on a very cold Tuesday night (for Brazilian standards at least), hoping Jim Smith's boys could hammer Salisbury for good. I went disguised as a Brazilian writer, but It took all my will power not to celebrate our second goal, when Duffy scored a penalty kick with flair and class. Wise Ambrose had given me this prophetic tip: people don't celebrate in the press section, they just clap.
Flamengo has been my passion for 47 well lived years. It is the most popular Brazilian football team, and we supporters, 35 million and counting, call ourselves “the red and black nation.” We were national champions five times and even beat Liverpool 3x0 in the 1981 Toyota Cup. So, when I came to England I hoped to support a popular club, probably in the Premier League. But after watching some Premier League matches I couldn't feel anything towards any of these powerful and very rich clubs. As the old Beatles song says “Can't buy me love”...
When I visited Oxford United I was struck by professionalism combined with true fan enthusiasm. That cold night against Salisbury I interviewed our first professional player, Jack Casley, 81, just minutes before the start of the match. After all these years, his eyes still shine when he talks about the Yellows. That is why I am quite sure, poor Swindon, next time I am going to stand up.


Marcos Alvito

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Kia e a Liga dos Magnatas

(publicado no Estadão em 16 de setembro de 2007; aqui vai a crônica original, um pouquinho mais apimentada do que a versão publicada no jornal)



Marcos Alvito



Pode não servir de consolo aos corintianos, mas Kia Joorabchian também andou aprontando aqui na Inglaterra. Todos se lembram que Tevez foi escolhido o melhor jogador do Campeonato Brasileiro de 2005. Em seguida, KJ empresta Tevez e Mascherano ao West Ham, um clube mediano da bilionária Premier League. E Tevez acabou fazendo gols importantes, levando o West Ham a vencer sete dos seus últimos nove jogos e evitando o rebaixamento do clube. Acontece que pela legislação inglesa os direitos federativos de um jogador não podem estar nas mãos de terceiros. Ou seja, a contratação de Tevez foi aquilo que um jornalista inglês chamou de “farsa”. Aí começou a confusão. KJ, depois de ver a sua mercadoria valorizada, queria repassá-la ao Manchester United, um dos clubes mais ricos do planeta. O West Ham não queria liberar Tevez. Outros clubes queriam ver o West Ham perder os pontos e ser rebaixado. As autoridades da Premier League lavaram as mãos. Impuseram uma pesada multa de 5,5 milhões de libras (22 milhões de reais) ao West Ham, mas não o fizeram perder pontos. Tevez, é claro, começou a temporada atual vestindo a camisa vermelha do Manchester United.
Kia, na verdade, é apenas a ponta de um iceberg de corrupção envolvendo os clubes da Premier League. Antes da temporada atual começar, estourou um escândalo envolvendo relações duvidosas entre técnicos e empresários. Isto levou a polícia inglesa a invadir a sede de três clubes de madrugada, como se Rangers, Portsmouth e Newcastle fossem fortalezas da máfia. E talvez sejam...
Boa parte dos bilhões que circulam na poderosa primeira divisão inglesa vieram de fora. De vinte clubes, nove têm proprietários estrangeiros. Alguns, de reputação duvidosa, como o primeiro estrangeiro a comprar um clube da então Premiership no verão de 2003, o agora famoso Roman Abramovich. Em apenas dois anos ele investiu 210 milhões de libras. Com o dinheiro russo, um arrogante e polêmico técnico português - José Mourinho, agora desempregado - e dúzias de jogadores estrangeiros dos quatro cantos do globo, o Chelsea foi campeão inglês nas temporadas de 2004-5 e 2005-6, além de ter chegado quase até a final da Champions League. Diz-se que a fortuna de Abramovich é proveniente das nebulosas privatizações ocorridas após o fim do regime comunista na Rússia. Devem ter sido ótimos negócios, porque Abramovich teve um prejuízo de 80 milhões de libras somente na temporada 2005-6 e mesmo assim não dá sinais de que vá cessar de botar a mão no bolso. Qual será a razão de tanto desprendimento ? Perguntem ao Kia...
O mais recente membro deste seleto clube é Thaksin Shinawatra, ex-primeiro ministro da Tailândia, que comprou o Manchester City em julho de 2007. Ex-oficial da polícia, Thaksin tornou-se bilionário como proprietário de uma empresa do setor de telefonia móvel e mídia. Chegou ao poder em 2001. Derrubado por um golpe militar em outubro de 2006, exilou-se na Inglaterra. Hoje ele é processado por corrupção pelo atual governo, que congelou um bilhão de libras da fortuna de Shinawatra. Além disso, a respeitada organização mundial de direitos humanos Human Rights Watch encaminhou um protesto formal à Premier League, acusando o atual proprietário do Manchester City de ser um “transgressor dos direitos humanos da pior espécie”. Detalhes? Ataques à liberdade de imprensa e uso de uma suposta guerra às drogas para desaparecer com pessoas desagradáveis. Na Tailândia ele é chamado de Ai Na Liam, “o cara quadrada”, um trocadilho para trambiqueiro. A Premier League, cujo regulamento estabelece que para ser proprietário de um clube é preciso ser uma pessoa “correta e honesta”, fez de conta que não sabia de nada e lavou as mãos novamente.
Não é de estranhar este pragmatismo (para dizer o mínimo) da Premier League. A então Premiership foi criada em 1992 exatamente para romper as últimas amarras que impediam a transformação da primeira divisão da liga em um negócio bilionário. Antes de 1992, por exemplo, o dinheiro proveniente dos direitos de televisão era repartido pela Football League de forma razoavelmente equilibrada: 50% iam para os clubes da antiga 1a. Divisão, 25% para os da 2a. e os clubes da 3a. e 4a. divisões dividiam os restantes 25%. Hoje em dia a Premier League negocia com exclusividade os direitos de tv de um campeonato que é transmitido para mais de 200 países. Para as três temporadas entre 2007-8 e 2009-10, estes direitos foram vendidos por 2,7 bilhões de libras. Desta soma inacreditável, apenas 1,2% vai para a Football League (leia-se, os clubes da 2a., 3a. e 4a. Divisões).
As consequências mais danosas, todavia, talvez tenham sido as esportivas. Dinheiro chama dinheiro, reza o ditado. Os clubes mais ricos, que podem investir em melhores jogadores, tendem a monopolizar as melhores colocações, arrebatando prêmios, conseguindo patrocínios milionários e a parte do leão dos direitos de tv. A boa colocação também permite a participação nas competições européias (sobretudo a riquíssima Champions League), o que traz mais dinheiro de direitos de tv, prêmios por participação, patrocínio etc. Com isso conseguem mais dinheiro, que permite comprar melhores jogadores e por aí vai... Não admira que já se vendam camisas dizendo “De saco-cheio dos quatro grandes”. Há também reações mais politizadas e organizadas. Torcedores inconformados com a venda do Manchester United para um milionário americano criaram um clube próprio, chamado FC United of Manchester. Codinome: rebels (rebeldes).
Mas por enquanto, a liga de futebol mais rica do mundo não está dando a menor bola para os protestos ou para os esquemas alternativos. Ou seja, pouco importa que Thaksin Shinawatra seja tailandês, Abramovich e Gaydamak (Portsmouth) russos, Eggert Magnusson (West Ham) islandês e Carson Yeung (Birmingham City) chinês de Hong Kong. Ou até que Kia Joorabchian seja iraniano.Todos eles falam muito bem a única língua entendida na Premier League: grana.


A PRÓXIMA CRÔNICA, a INÉDITA "Yellow Submarine", será postada na 3a. feira, 16 de outubro

terça-feira, 2 de outubro de 2007

O verdadeiro país do futebol

A RAINHA DE CHUTEIRAS: 200 dias de futebol na Inglaterra

Marcos Alvito

O verdadeiro país do futebol (crônica publicada em O Estado de São Paulo, no dia 2 de setembro de 2007; aqui vai a crônica original, um pouco maior)

Nossos políticos podem não ser grande coisa, mas todo brasileiro nasce, cresce e morre pensando que vive no país do futebol. Talvez seja melhor escolher com cuidado o seu candidato nas próximas eleições, porque o país do futebol é a Inglaterra. Claro, só o Brasil é penta (por enquanto), Pelé não nasceu em Oxford e David Beckham não chega a valer um drible do Ronaldinho. Todavia, caro leitor, em que país os jornais publicam os resultados da 5a. Divisão ? Aliás, publicam os resultados da 6a. Divisão. Os da 5a. Divisão são analisados um a um e por vezes são transmitidos na televisão a cabo, ou seja, há torcedores dispostos a pagar para vê-los. Em que país os torcedores colecionam os programas dos jogos ? Sim, porque jogo de futebol na Inglaterra é que nem ópera, tem programa e tudo, que inclui não somente as escalações, tabela com os próximos jogos e fotos dos ídolos, mas até a história do clube adversário. Estas relíquias são passadas de pai para filho e podem ser leiloadas a um bom preço décadas depois. Vendem-se também estojos de couro para que elas possam ser guardadas com carinho.
Tá certo, futebol não é ópera, mas o nosso argumento aqui é o seguinte: a cultura do futebol é muito mais forte na Inglaterra: brasileiro adora jogar futebol, adora ver futebol e discutir futebol. O inglês, além de tudo isso, viaja centenas de quilômetros de trem para ver seu clube (estou falando de torcedores normais, não se trata de torcidas organizadas como no Brasil) , enfrentando frio, chuva e neve, e eventualmente a torcida adversária e a polícia. Dezenas de milhares adquirem o pacote de todos os jogos do seu time durante a temporada, e muitos deles gabam-se de não haver perdido um só jogo durante décadas. E não estou falando somente dos grandes times como no Brasil, cujos 13 maiores clubes concentram 80% da torcida. Na Inglaterra o cara torce para o Birmingham City, um time que não ganhou nada em 130 anos de história e que mesmo nas últimas colocações leva mais de 20 mil pessoas ao estádio. Ou para o Oxford United, que já ganhou alguma coisa mas hoje está na 5a. Divisão e teve média de quase 7 mil espectadores por jogo na temporada passada (2006-7), pouco abaixo da média de público do campeonato brasileiro de 2004, que foi de 8 mil torcedores.
O futebol no Brasil tem pouco mais de 100 anos, enquanto os ingleses já falavam de futebol há quatrocentos anos atrás, dêem uma olhada no Rei Lear de Shakespeare para ver se estou mentindo. Por falar nisso, no campo das publicações os ingleses dão de goleada, sem dúvida refletindo um maior grau de escolaridade e renda. Enquanto os nossos literatos, no dizer de Nelson Rodrigues, não sabem bater um mísero corner, na Inglaterra montanhas de livros sobre futebol chegam às livrarias todos os anos. Há de tudo um pouco: enciclopédias, livros sobre a história de um clube ou do seu estádio, biografias autorizadas ou não de jogadores, técnicos, dirigentes (sim, sim) e até de juízes (aí já é demais !). Até os piores hooligans escrevem suas memórias (ou pagam alguém para fazê-lo) e há também os livros acadêmicos que tentam explicar esse e outros fenômenos. Há também grande literatura, como o merecido best-seller de Nick Hornby, Fever Pitch, contando as memórias de um torcedor fanático (redundância) do Arsenal na década de 80. Esse e muitos outros livros foram para a tela do cinema, alguns com muito sucesso, como Football Factory, uma fictícia memória de um hooligan que virou série de televisão.
Além dos já referidos programas oficiais dos jogos, há os fanzines, publicações irreverentes escritas por torcedores para protestar contra tudo: desde o preço dos ingressos e o atacante que não faz gol até a venda do clube para um milionário estrangeiro. Ou seja, o torcedor lê futebol, escreve futebol, respira futebol. A grande imprensa publica cadernos de esportes com até 20 páginas em que o futebol é o centro. Antes do início da temporada de futebol todos os jornais publicam suplementos especiais contendo não somente as previsões, contratações e análises, mas instruções detalhadas de como viajar até um estádio, quais os pubs onde é seguro beber sem ser linchado pela torcida adversária e até sobre a qualidade das tortas salgadas servidas no estádio, cuja arquitetura também é comentada. Isso para ficar somente nos jornais. No rádio, até a famosa e respeitável BBC tem uma estação exclusiva para esportes onde o futebol é o maior destaque, é claro. Há vários programas em que os torcedores debatem com os comentaristas diretamente, ao vivo. É melhor nem falar da televisão; basta dizer que os direitos de transmissão das próximas 3 temporadas foram vendidos pela módica quantia de 2,7 bilhões de libras (aproximadamente 11 bilhões de reais).
As apostas, sobretudo em jogos de futebol, são uma grande indústria (é uma dessas empresas que patrocina o já tão comentado campeonato da 5a. Divisão), e você pode apostar em quase tudo: quem vai vencer, o resultado exato do jogo, que jogador vai marcar primeiro ou por último, quando vai sair o primeiro gol e por aí vai. Muitas vezes há casas de apostas dentro dos estádios e é claro que se pode apostar pela Internet.
Claro, você é brasileiro e não desiste nunca. Mas que tal essa: já ouviu falar de algum apaixonado torcedor brasileiro que tenha solicitado que após a morte suas cinzas sejam espalhadas sobre o campo ? Não ? Pois bem, um único clube, o Manchester United, recebe 25 pedidos deste tipo por ano. Seu vizinho menos rico, o Manchester City, recebe apenas 12... Em 1993 a Football Association teve que publicar instruções sobre como atender a estes pedidos sem prejudicar os gramados. Acontece que a maioria dos defuntos tem preferência pelo círculo central e pela marca do pênalti como destino final. Uma das dicas da Football Association: “procure espalhar bem as cinzas, a concentração num determinado local pode matar a grama”.
Não está convencido ainda ? Tudo bem. Nas próximas páginas vamos tratar de assuntos como os já mencionados e outros como os cantos dos torcedores, a importância dos pubs para o futebol, as rivalidades mais incendiárias, o que os ingleses pensam do futebol brasileiro (que eles chamam de jogo bonito), hooligans, o futebol retratado pelas artes plásticas, rugby (um primo do futebol), a história do futebol inglês e por aí vai. Pode ser até que você não fique convencido de que a Inglaterra é o verdadeiro país do futebol, mas não fique muito certo disso. Afinal, o futebol, no Brasil ou na Inglaterra, é uma caixinha de surpresas.


PRORROGAÇÃO:
Vou até Nottingham, terra do famoso xerife que nunca conseguia prender o Robin Wood. O time da casa, N.Forest, enfrenta o Leeds (ver crônica "Duelo na Terra de Robin Hood", ainda a ser postada neste blog). Pois bem, avisto um torcedor devidamente trajado nas cores do Leeds (amarelo e branco), mas estranho o fato dele estar sentado com um cachorro a seus pés. O animal era um cachorro-guia. O sujeito era cego...


A PRÓXIMA CRÔNICA, "Kia e a Liga dos Magnatas", será postada na 3a. feira, 9 de outubro