(publicado no Estadão em 16 de setembro de 2007; aqui vai a crônica original, um pouquinho mais apimentada do que a versão publicada no jornal)
Marcos Alvito
Pode não servir de consolo aos corintianos, mas Kia Joorabchian também andou aprontando aqui na Inglaterra. Todos se lembram que Tevez foi escolhido o melhor jogador do Campeonato Brasileiro de 2005. Em seguida, KJ empresta Tevez e Mascherano ao West Ham, um clube mediano da bilionária Premier League. E Tevez acabou fazendo gols importantes, levando o West Ham a vencer sete dos seus últimos nove jogos e evitando o rebaixamento do clube. Acontece que pela legislação inglesa os direitos federativos de um jogador não podem estar nas mãos de terceiros. Ou seja, a contratação de Tevez foi aquilo que um jornalista inglês chamou de “farsa”. Aí começou a confusão. KJ, depois de ver a sua mercadoria valorizada, queria repassá-la ao Manchester United, um dos clubes mais ricos do planeta. O West Ham não queria liberar Tevez. Outros clubes queriam ver o West Ham perder os pontos e ser rebaixado. As autoridades da Premier League lavaram as mãos. Impuseram uma pesada multa de 5,5 milhões de libras (22 milhões de reais) ao West Ham, mas não o fizeram perder pontos. Tevez, é claro, começou a temporada atual vestindo a camisa vermelha do Manchester United.
Kia, na verdade, é apenas a ponta de um iceberg de corrupção envolvendo os clubes da Premier League. Antes da temporada atual começar, estourou um escândalo envolvendo relações duvidosas entre técnicos e empresários. Isto levou a polícia inglesa a invadir a sede de três clubes de madrugada, como se Rangers, Portsmouth e Newcastle fossem fortalezas da máfia. E talvez sejam...
Boa parte dos bilhões que circulam na poderosa primeira divisão inglesa vieram de fora. De vinte clubes, nove têm proprietários estrangeiros. Alguns, de reputação duvidosa, como o primeiro estrangeiro a comprar um clube da então Premiership no verão de 2003, o agora famoso Roman Abramovich. Em apenas dois anos ele investiu 210 milhões de libras. Com o dinheiro russo, um arrogante e polêmico técnico português - José Mourinho, agora desempregado - e dúzias de jogadores estrangeiros dos quatro cantos do globo, o Chelsea foi campeão inglês nas temporadas de 2004-5 e 2005-6, além de ter chegado quase até a final da Champions League. Diz-se que a fortuna de Abramovich é proveniente das nebulosas privatizações ocorridas após o fim do regime comunista na Rússia. Devem ter sido ótimos negócios, porque Abramovich teve um prejuízo de 80 milhões de libras somente na temporada 2005-6 e mesmo assim não dá sinais de que vá cessar de botar a mão no bolso. Qual será a razão de tanto desprendimento ? Perguntem ao Kia...
O mais recente membro deste seleto clube é Thaksin Shinawatra, ex-primeiro ministro da Tailândia, que comprou o Manchester City em julho de 2007. Ex-oficial da polícia, Thaksin tornou-se bilionário como proprietário de uma empresa do setor de telefonia móvel e mídia. Chegou ao poder em 2001. Derrubado por um golpe militar em outubro de 2006, exilou-se na Inglaterra. Hoje ele é processado por corrupção pelo atual governo, que congelou um bilhão de libras da fortuna de Shinawatra. Além disso, a respeitada organização mundial de direitos humanos Human Rights Watch encaminhou um protesto formal à Premier League, acusando o atual proprietário do Manchester City de ser um “transgressor dos direitos humanos da pior espécie”. Detalhes? Ataques à liberdade de imprensa e uso de uma suposta guerra às drogas para desaparecer com pessoas desagradáveis. Na Tailândia ele é chamado de Ai Na Liam, “o cara quadrada”, um trocadilho para trambiqueiro. A Premier League, cujo regulamento estabelece que para ser proprietário de um clube é preciso ser uma pessoa “correta e honesta”, fez de conta que não sabia de nada e lavou as mãos novamente.
Não é de estranhar este pragmatismo (para dizer o mínimo) da Premier League. A então Premiership foi criada em 1992 exatamente para romper as últimas amarras que impediam a transformação da primeira divisão da liga em um negócio bilionário. Antes de 1992, por exemplo, o dinheiro proveniente dos direitos de televisão era repartido pela Football League de forma razoavelmente equilibrada: 50% iam para os clubes da antiga 1a. Divisão, 25% para os da 2a. e os clubes da 3a. e 4a. divisões dividiam os restantes 25%. Hoje em dia a Premier League negocia com exclusividade os direitos de tv de um campeonato que é transmitido para mais de 200 países. Para as três temporadas entre 2007-8 e 2009-10, estes direitos foram vendidos por 2,7 bilhões de libras. Desta soma inacreditável, apenas 1,2% vai para a Football League (leia-se, os clubes da 2a., 3a. e 4a. Divisões).
As consequências mais danosas, todavia, talvez tenham sido as esportivas. Dinheiro chama dinheiro, reza o ditado. Os clubes mais ricos, que podem investir em melhores jogadores, tendem a monopolizar as melhores colocações, arrebatando prêmios, conseguindo patrocínios milionários e a parte do leão dos direitos de tv. A boa colocação também permite a participação nas competições européias (sobretudo a riquíssima Champions League), o que traz mais dinheiro de direitos de tv, prêmios por participação, patrocínio etc. Com isso conseguem mais dinheiro, que permite comprar melhores jogadores e por aí vai... Não admira que já se vendam camisas dizendo “De saco-cheio dos quatro grandes”. Há também reações mais politizadas e organizadas. Torcedores inconformados com a venda do Manchester United para um milionário americano criaram um clube próprio, chamado FC United of Manchester. Codinome: rebels (rebeldes).
Mas por enquanto, a liga de futebol mais rica do mundo não está dando a menor bola para os protestos ou para os esquemas alternativos. Ou seja, pouco importa que Thaksin Shinawatra seja tailandês, Abramovich e Gaydamak (Portsmouth) russos, Eggert Magnusson (West Ham) islandês e Carson Yeung (Birmingham City) chinês de Hong Kong. Ou até que Kia Joorabchian seja iraniano.Todos eles falam muito bem a única língua entendida na Premier League: grana.
A PRÓXIMA CRÔNICA, a INÉDITA "Yellow Submarine", será postada na 3a. feira, 16 de outubro
segunda-feira, 8 de outubro de 2007
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3 comentários:
meu filho até eu que não aprecio muito futebol, gosto do tua cronica está muito boa de ler e muito bem humorada e instrutiva para os aficionadoa por futebol devem adorar,você está de parabens .
beijos mãe
O Michel Platini já está tentando criar mecanismos para diminuir o poder desses magnatas estrangeiros proprietários de clubes. Procure se informar a esse respeito (se vc não já sabe disso). A proposta do ex-jogador francês pode enriquecer a sua análise... Será que a demissão do Mourinho - num campeonato em que os técnicos dos grandes times costumam ficar muuuuuuito tempo no comando, mesmo sem ser campeões todos os anos - também não pode ser vista como uma nova lógica imposta pela chegada desse magnatas estrangeiros proprietários de clube? Parabéns de novo! Abraços!
Parabéns, M. Alvito, texto ótimo, informativo, agradável e ao mesmo tempo um tanto exigente.
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