segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Muito além do futebol

(Publicado em O Estado de São Paulo no dia 22 de outubro de 2007)




Muito além do futebol




Marcos Alvito







Através da panorâmica janela de vidro, avista-se o bem cuidado gramado do Oxford United Football Club. Não estamos, todavia, em um box corporativo ou nas tribunas especiais reservadas aos diretores. Estamos numa sala de aula. Uma sala de aula diferente.


Diante de Ed Duckham, 41 anos, ex-professor de História e Educação Física, estão 15 crianças de 10 anos, ouvindo atentamente. Elas são de uma escola primária da região. Virão aqui uma vez por semana. Durante seis tardes, aprenderão matemática, inglês e principalmente computação. Mas não da forma usual e sim utilizando a paixão pelo futebol como elemento motivador. Semana passada eles aprenderam a mexer com programas de fotografia elaborando um passe de entrada no estádio para si próprios. Hoje estão aprendendo inglês: sua tarefa é criar um novo hino para o clube.
Primeiro Ed faz alguns exercícios de ortografia. Em um telão do tipo daqueles que são usados nos pubs para transmitir os jogos da Premier League, há frases que têm de ser completadas pelos meninos e meninas. Cada um deles usa um controle que parece controle remoto de televisão, mas na verdade permite a eles escolher a resposta certa. E o rendimento e os acertos de cada um são automaticamente registrados pelo computador. Isto permite ao professor perceber rapidamente que alunos estão tendo mais dificuldade. Em seguida, Duckham compõe uma música junto com eles, novamente usando um programa de computador. Está música servirá de base à letra que cada um irá escrever. Isto foi só o aquecimento.
Agora vem a parte mais emocionante: saímos da bem equipada sala, onde há um computador de última geração para cada um e descemos para os vestiários. Ali, diante de uma platéia que parece beber cada uma das suas palavras, olhinhos de criança brilhando, No quadro negro, a escalação real da última partida jogada pelo Oxford United. Na parede, uma camisa amarela de um dos jogadores. Ed pede para eles imaginarem-se como jogadores antes de entrarem em campo. Eles registram três palavras que sintetizam a experiência. É tudo rápido, dinâmico, as crianças não têm a menor dificuldade em cumprir a tarefa. Há um ar de aventura que deveria existir em toda a sala de aula.
Os alunos-jogadores atravessam o túnel para entrar em campo diante de doze mil torcedores imaginários. Escrever o hino do clube é a próxima tarefa. O professor (vestido como um jogador de futebol), pede a eles que sentem-se nas arquibancadas mantendo uma distância de pelo menos dez assentos entre eles. Aproveito aqueles minutos para conversar um pouco com ele. “Eu era professor há cinco anos, mas percebia que hoje em dia as crianças não são mais capazes de ficar paradas diante de alguém a falar”. Adora seu trabalho aqui, só lamenta não poder ficar mais tempo com as crianças: “Eu conheço pelo menos 3 mil crianças em Oxford, mas nenhuma delas muito bem, porque o período que passam comigo é muito breve”. Ele recusou uma oferta do Chelsea, seu time do coração, para continuar trabalhando no Oxford Learning United.
Escritas as letras, voltamos para a sala de aula, onde agora as crianças fazem um lanchinho de torrada com queijo e geléia. E começa o segundo tempo: agora vão juntar letra e música, usando um programa de computador que simula diversos tipos de vozes. Cada novo “hino” do clube é então gravado por eles em sua pasta individual no computador. O computador só aceita palavras corretamente digitadas, o que proporciona mais um prazeroso exercício de ortografia. Ed avisa que os dois melhores serão colocados no site do clube. Imaginem a emoção de um garoto ou menina de dez anos a criar um novo hino para o Flamengo....
Prorrogação: bolar um novo uniforme para o clube. Aqui a diferença entre meninos e meninas é gritante. Eles são mais conservadores, praticamente não alteram as cores azul e amarela do Oxford United. Já as meninas desenham uniformes cor de rosa, multicolores, incluindo fotos e por aí vai. Quando perguntei a Ed se ele percebia alguma diferença entre meninos e meninas em termos de entusiasmo ele disse que não. Na verdade, até os 12-3 anos as meninas são tão ou mais entusiasmadas com o trabalho. A partir dessa idade elas já querem conhecer os jogadores...
Terminado o jogo, os alunos-jogadores recebem seu prêmio: uma borrachinha amarela com o boi que simboliza o Oxford United. É que a palavra Oxford vem de Ox (boi) Ford (passagem). Oxford era um bom local para atravessar o rio Tâmisa com os bois. Ed Duckham explica que aquelas borrachas não estão à venda na loja do clube. Por falar nisso, na semana seguinte irão aprender matemática a partir de um exercício na loja do clube.
É a hora de entrevistar os craques. Primeiro converso com Georgia, 10 anos, sorriso inteligente e cheio de vida. Ela diz que a aula aqui é muito mais divertida do que na escola e que na verdade aprende-se mais. Ela não tinha time até hoje, mas agora passou a torcer pelo Oxford United. Só joga futebol nas aulas de Educação Física, pois ela na verdade é uma amazona. Tassif, com a mesma idade, parece mais tímido mas é igualmente vivaz e inteligente. Ele diz que mudou de escola várias vezes. Tassif escreve com muita facilidade o trabalho feito naquela tarde, mas pensa dois segundos antes de comparar a escola normal com o Oxford Learning United, com prejuízo para a New Marsten Primary School onde ele e Georgia estudam. Ele é torcedor do Manchester United.
O Oxford Learning United é parte de um programa do Ministério de Educação da Inglaterra. Chama-se Playing for Success e envolve clubes de futebol, rugby e cricket em toda a Inglaterra. Fico imaginando um projeto semelhante no Brasil, guardadas as devidas proporções. Na terra de Pelé e Ronaldinho, em que quase toda a criança sonha em ser jogador, o futebol ainda é um continente inexplorado em termos das suas possibilidades em sala de aula. Nossas “escolinhas de futebol” servem somente para os clubes embolsarem alguns trocados às custas do sonho quase impossível de se tornar um jogador de futebol. Nos dias em que não há partidas, nossos estádios são gigantes adormecidos e inúteis. E muitos deles são financiados com dinheiro público de governos estaduais e prefeituras pelo Brasil afora.
Para os clubes envolvidos no projeto, o interesse é duplo. Por um lado, desenvolvem um trabalho de responsabilidade social junto à comunidade local. Por outro, aproveitam para tentar conquistar novos fãs. Os meninos e meninas recebem ingressos para assistir a um jogo do Oxford United. Lamentavelmente, devido à configuração atual do futebol, os clubes da poderosa Premier League são preferidos de muitos: Chelsea, Arsenal e Manchester United. Mas três deles dizem torcer para o Oxford – além de duas meninas que insistiam em dizer que torciam pelo Brasil. Mas isso não tem tanta importância. Porque o que aconteceu nesta bela tarde de verão vai muito além do futebol.

2 comentários:

Medina disse...

Marcos,

Boa tarde!

meu nome é Gheorge e trabalho na Cidade do Futebol. Gostaria de entrar em contato com vc. Segue meu e-mail - gheorge@cidadedofutebol.com.br

abraços

Gheorge

Romulo Mattos disse...

Cara, que semana aí na Inglaterra, hein... Derrota nas eliminatórias para a Eurocopa, derrota na final do Mundial de Rugby e derrota do Lewis Hamington na fórmula 1. O artigo é muito bom! Há uma escola pública dentro do Maracanã e nada disso deve ser aproveitado... Gostaria de ser professor como esse sujeito aí do artigo (só que no Vasco, é claro)... Abraços!