terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Rugby, o primo aristocrático do futebol

Rugby, o primo aristocrático do futebol

Rugby ? Pouca gente sabe, mas o rugby e o futebol são podem ser considerados primos. Ambos originaram-se de jogos existentes na Inglaterra medieval e que opunham aldeia a aldeia em confrontos violentos que às vezes duravam dias. Os reis proibiram estes jogos inúmeras vezes, devido ao tumulto que causavam, mas a rapaziada continuava dando seus chutes em bexigas de boi infladas de ar – o que deu o nome ao jogo (football, bola chutada com o pé). Em meados do século XIX estes jogos tradicionais foram adotados e modificados pelos estudantes das escolas públicas de 2º. Grau da Inglaterra. Em uma delas, a Rugby School, começou-se a adotar uma regra que permitia agarrar a bola e correr com ela, além de chutá-la. Foi ali que se criou a bola oval e o gol em forma de “H”. Esta modalidade do jogo de football começou a ser chamada de Rugby football, ou seja: futebol jogado à maneira de rugby. Outras escolas, porém, quiseram adotar outra regra, em que era proibido (exceto ao goleiro) agarrar a bola. Foi somente aí que rugby football e football association vieram a separar-se com a criação de duas entidades diferentes e de regras estabelecidas por escrito, do futebol em 1863 e do rugby em 1871.
O jogo de rugby logo tornou-se extremamente popular, não somente nas escolas e universidades, mas também junto aos operários da região mais industrializada da Inglaterra. Quando os trabalhadores conquistaram a redução do horário de trabalho, deixando de trabalhar aos sábados à tarde, este se tornou o horário clássico do rugby e também do futebol (é assim até hoje). Da Inglaterra, o jogo logo espalhou-se para todo o Reino Unido e logo em seguida para as colônias do imenso império em que o sol nunca se punha. Depois alcançou o mundo todo, inclusive a América Latina. Apesar disso, logo o futebol suplantou o rugby e veio a tornar-se o esporte mais popular do mundo, enquanto o rugby começou a ser visto como mais aristocrático, coisa de universitários e de classe média, embora em certas regiões da Inglaterra, em Gales, na Austrália e na Nova Zelândia ele seja claramente o esporte mais popular.
Na vizinha Argentina, o campeonato nacional de rugby é disputado há mais de 100 anos. Até Che Guevara jogava (basta ver o início do fabuloso Diários de Motocicleta). Para quem vê pela primeira vez, parece uma loucura: um bolo de jogadores amontoados em cima de uma bola ... ainda por cima oval !!! E passa-se a bola com a mão para trás. Mas o rugby é o maior barato: é primo do futebol mas exige muito mais espírito coletivo. No rugby não há lugar para o “mascarado”, para o fominha, não passar a bola é prejuízo e às vezes suicídio... Todos atacam, todos têm que defender, são 15 para cada lado e o jogo não pára um segundo. Não confundam com o futebol americano, que derivou do rugby e é bem mais recente. O rugby é jogado em mais de 150 países e a Copa do Mundo de Rugby, jogada de quatro em quatro anos só perde para a Copa do Mundo de Futebol em termos de telespectadores. Isso mesmo, ganha das Olimpíadas. Ao contrário da maioria dos esportes, o rugby é democrático em relação à compleição física: há lugar em um time para jogadores altos e magros, gordinhos (e gordões), baixos, leves e velozes ou fortes e pesados. E mulheres também jogam rugby, cada dia mais.
O objetivo do jogo é simples: alcançar a linha de fundo e colocar a bola oval no chão, não valendo jogá-la, é preciso colocá-la com a mão. Este lance vale 5 pontos e é chamado de try. Após o try o time ainda tem a chance de marcar mais dois pontos, caso consiga chutar a bola acima da barra horizontal do gol em forma de H. Outra forma de marcar é converter uma falta chutando por cima da trave do H ou fazê-lo durante o jogo ao chutar a bola depois de fazê-la quicar no chão. Em ambos os lances conquistam-se mais três pontos.
Além de ser um esporte emocionante, o rugby tem aspectos éticos louváveis: até 1995 era um esporte amador (e ainda é predominantemente amador com exceção de alguns países europeus) e o respeito pelo adversário é muito grande. Assim que o jogo termina, um dos times forma um corredor por onde passarão os jogadores adversários, enquanto os jogadores no corredor batem palmas e entoam o nome do outro time. Depois o time contrário faz o inverso. Seja qual for o resultado do jogo, o terceiro tempo é obrigatório, ou seja: o time da casa oferece uma recepção regada a bebida, quando os lances mais duros, as disputas mais acirradas vão se transformar em abraços, em piadas, em congraçamento. Por isso, costuma-se dizer que o rugby é um jogo de bárbaros jogado por cavalheiros.
Aqui no Brasil, por motivos que seria interessante pesquisar, o rugby é jogado por muito poucos, mas com muita paixão. Em Niterói, por exemplo, temos o Niterói Rugby, 5 vezes campeão brasileiro e ainda hoje uma das melhores equipes do Brasil, embora a maioria das esteja no estado de São Paulo.
Quer ir a jogo de rugby na Inglaterra ? Vamos lá: o clássico Inglaterra versus Gales, a menos de um mês da Copa do Mundo de 2007*. É uma das partidas mais tradicionais do rugby mundial. A Inglaterra era a atual campeã do mundo e Gales sempre esteve entre as oito melhores seleções de rugby do planeta. Foi disputada no estádio de Twickenham, o templo do rugby, localizado em um subúrbio de Londres. Gales e Inglaterra jogaram em Twickenham pela primeira vez em 1910 (Inglaterra 11x6). Hoje em dia foi remodelado e tem a capacidade de receber com conforto 80 mil espectadores.
Era um dia de céu claro e fazia até algum calor. A cerimônia de abertura foi bonita, apenas levemente nacionalista: militares com farda camuflada, carregando bandeiras da Inglaterra nos quatro cantos do campo enquanto as meninas do All Angels entoavam a canção de abertura.
Depois veio o hino de Wales, ardorosamente entoado por seus animados torcedores, muitos dos quais abraçados na bandeira do dragão, usando perucas ruivas e belas camisas vermelhas. Em seguida, os mesmos torcedores, acompanhados dos ingleses, cantaram o famoso God Save the Queen.
O público é tão educado que antes da partida começar eu “ouvi” o minuto de silêncio mais silencioso da minha vida. O jogo foi um massacre: 22x0 para a Inglaterra só no primeiro tempo. Os forwards - jogadores mais fortes que disputam a bola para passá-la aos rápidos e habilidosos backs - , estavam vandalizando a defesa de Gales. A torcida inglesa fez uma festa: no fim do primeiro tempo já cantavam Sweet Chariot, de forma tão doce que parecia canção de ninar. Originalmente Sweet Chariot era uma canção dos escravos americanos e hoje simboliza o rugby inglês.
O comportamento da torcida é completamente diferente de um jogo de futebol. Além de Sweet chariot já mencionada, a torcida cantou somente “England, England” ou “Wales, Wales” – o que foi mais raro devido ao desenvolvimento do jogo; mais nenhuma canção e sobretudo nenhuma provocação ao adversário, nada, nadinha. O público manifestou-se bastante, até com vaias, em relação a jogadas muito violentas. Estas ficam ainda mais revoltantes com o close dado no telão. A maior vaia talvez tenha sido para os dois garotos que invadiram o campo (já no finalzinho do jogo) e foram imediatamente retirados. Há protestos quanto a decisões, mas sem que eu tenha ouvido um só palavrão, repito, nenhum palavrão durante o jogo inteiro. E olha que se bebe cerveja a rodo, com o pessoal, trazendo os copos de um pint (quase meio litro) até os stands (arquibancada), o que é terminantemente proibido em um jogo de futebol.
Sobre o caráter pacífico do público de rugby, o senhor sentado ao meu lado contou um episódio interessante. Quando ele trouxe o filho dele pela primeira vez naquele estádio eles sentaram perto de uma turma de galeses. Com dez segundos de jogo a Inglaterra faz um try e o filho vira para ele: “Pai, vamos ter problemas”... Que nada, os galeses nem ligaram e o que fizeram foi oferecer um trago de cerveja... Tanto que não havia nenhuma separação entre galeses e ingleses, que sentavam-se lado a lado.
Nos últimos segundos do jogo ocorre uma lance de arrepiar. Jason Robinson, número 11 da Inglaterra, um mulato baixo, forte como um touro e muito rápido, faz uma jogada que incendeia o estádio. Ele vem correndo com a bola na direção do último defensor de Gales, chuta a bola ao lado do desesperado adversário e vai pegá-la lá na frente, arrancando livre para o último try. Igualzinho ao “drible da vaca” – Mas com a pequena e muito importante diferença de fazer isso com uma bola oval...

* England 62x5 Wales, 4 de agosto de 2007
Twickenham Stadium, England
Público: 66.131

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