segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Máquina do Tempo Portátil - Parte II




Máquina do tempo portátil – Parte II

Ainda mais impressionante do que o número de clubes de futebol em 1950, é o público das partidas. O período pós-guerra assistiu a uma verdadeira febre de futebol. A média de público para os jogos da Primeira Divisão em 1949/50 foi de 40.700, bem superior ao da Premier League hoje em dia. O público total do futebol alcançou os 41 milhões na temporada 1948/49, um recorde que jamais seria igualado. Só para dar uma idéia, nos últimos anos a média de público tem sido de 26 milhões.
Além de tentarem recuperar o tempo perdido, as pessoas entregaram-se de corpo e alma ao principal divertimento em uma época de orçamentos apertados: o futebol. A televisão estava ainda nos seus primórdios (já falaremos sobre ela) e os outros divertimentos possíveis eram o cinema, os bailes e a igreja. O futebol, lazer masculino e operário por excelência, reforçava um sentimento local e comunitário extremamente importante em um momento em que as feridas da segunda guerra ainda estavam abertas. Sentir-se novamente parte de um grupo, estar entre amigos e conhecidos, era algo buscado por todos. Um anúncio de cigarro na página 13 do nosso almanaque encarna muito bem esse espírito. O título do anúncio é “Promovido a amigo...” e a ilustração põe um homem a sorrir na arquibancada, segurando um enorme maço de “Capstan” aberto em direção à mão do torcedor ao lado que claramente vai pegar um cigarrinho emprestado. Ao contrário do que talvez seja um senso comum entre os fumantes, sempre reclamando dos “filões”, o texto do anúncio deixa claro que o cigarro tinha exatamente a função de aproximar, de reforçar ou criar amizades:
“Não importa se o seu time ganha, perde ou empata, Capstan sempre marca. Estes ótimos cigarros são feitos para fazer amigos [em itálico no original].”
O campo de futebol aparece ao fundo, a ênfase toda está na relação entre os dois fumantes-torcedores-amigos.

Em busca de amizade, lazer ou mesmo de um cigarrinho emprestado, o certo é que os campos lotavam de norte a sul e isso incluía também as divisões inferiores. Times da 3ª. Divisão por vezes conseguiam públicos acima dos 25 mil espectadores. No norte da Inglaterra, os industriais tentavam conter o enorme número de faltas aos sábados com bônus ou ameaças de demissão. Às vezes um terço dos operários faltava em dias de jogos importantes. Esse boom de público fez com que os clubes reunidos na assembléia anual da Football League decidissem incorporar mais 4 clubes à 3ª. Divisão, à época sub-dividida em Norte e Sul. Assim nos informa o livrinho à página 6. O curioso é que com este acréscimo, o número total de clubes chega a 92, exatamente o mesmo número de clubes existentes nas 4 primeiras divisões da Inglaterra em 2007/8, cinqüenta e sete anos depois. Isto é típico de um futebol extremamente bem organizado e estável, o que sem dúvida é um dos motivos para o sucesso do futebol inglês.
Uma outra decisão tomada pela assembléia dos clubes hoje em dia nos parece bizarra. Já havia televisão, mas a Football League proibia o televisionamento das partidas. E olha que em 1950 apenas 2% dos lares ingleses dispunham de televisão.

Quanto ao rádio, naquele ano votou-se uma resolução proposta pelo Sunderland que simplesmente negava à BBC a transmissão radiofônica de qualquer partida enquanto outras estivessem ocorrendo. Como à época todos os jogos ocorriam aos sábados à tarde isso impedia a BBC de transmitir ao vivo jogos de futebol. Sugeria-se que a BBC tocasse uma gravação da transmissão da partida à noite. Os clubes entendiam que tanto a televisão quanto o rádio diminuiriam o público e consequentemente a renda das partidas.

A diferença é marcante em relação aos dias de hoje, em que os recursos provenientes da televisão praticamente sustentam o futebol
Inglês, sobretudo na Premier League. É interessante que a assembléia geral dos clubes enfatizou que aquela proibição não era definitiva e que as negociações com a tv estavam em andamento. Três anos depois os clubes finalmente consentiriam em permitir que a BBC transmitisse a final do torneio mais importante do futebol inglês: a FA Cup ou Copa da Inglaterra como é conhecida no Brasil.
Os que não podiam ir aos jogos não se contentavam em ouvir transmissões radiofônicas gravadas horas antes. O interesse pelo futebol servia de alavanca para tiragens milionárias dos jornais, cujas fotografias tornavam os craques conhecidos por todo o país. Já havia jornais especializados em esportes, como o Sporting Chronicle and Athletic News, cujo anúncio à p. 293 afirmava: “Você está perdendo algo (foto de um goleiro deixando a bola passar) se você não lê o jornal que dedica mais espaço ao futebol todos os dias”.
Outra atividade que florescia graças ao futebol era a “indústria de apostas”. O Sunday Chronicle 1950/51 atesta a prosperidade dos pools, bolões de apostas cujos anúncios aparecem às dezenas no almanaque daquele ano. A promessa era a de sempre: “Seus centavos podem trazer milhares de libras”, prometia a Cope’s Pools de Londres. Este amor às apostas é outra característica que persiste hoje em dia, onde há casas de apostas como LadBrokes e William Hill a cada esquina (ainda iremos escrever uma crônica sobre isso).
Há muitas coisas no livrinho que hoje parecem ultrapassadas: o anúncio de uma chuteira que tinha cano alto, mais parecida com uma bota, a goma de cabelo (Brylcreem) que mantém seu cabelo “em forma” – com a indefectível foto de um jogador agachado, segurando a bola e com o cabelinho brilhando. A bola, aliás, era costurada à mão como nos informa um outro anúncio. E é claro que a redonda, nesse tempo, ainda era feita de couro.

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