O fato mais impressionante do Campeonato Brasileiro de 2007: como a torcida empurrou o Flamengo para uma honrosa terceira colocação, com direito a Libertadores em 2008. Isso para uma equipe que chegou a rondar e até a frequentar a famosa ZR, zona do rebaixamento. Dizia o genial tricolor Nelson Rodrigues que no Flamengo "time e torcida completam-se numa integração definitiva". Diante de tal potência, vira e mexe alguém sugere que o Flamengo poderia pagar toda a sua dívida e ainda ficar com algum para gastar se cada um dos 35 milhões de rubro-negros desse uma graninha.
Torcedores doando dinheiro para apoiar seu clube? A história do futebol inglês mostra que não é uma boa idéia. Até a primeira metade do século XX era comum os dirigentes recorrerem a subscrições feitas junto aos torcedores. Os recursos eram usados na construção ou reforma do estádio, para comprar um determinado jogador ou tão simplesmente para evitar a falência do clube. Assim que o dinheiro mudava de mãos os torcedores eram ignorados e nem sempre o dinheiro era aplicado corretamente. Apesar disso, criaram-se muitos “Supporters Clubs”, alguns deles ativos desde 1901. Havia uma entidade nacional que os congregava desde 1927 e em 1953 estes grupos de apoio aos clubes reuniam meio milhão de torcedores.
A crise da década de 1980, gerada sobretudo pelo hooliganismo, obrigou os torcedores a mudarem de estratégia. O plano do governo conservador de criar um cartão de identificação dos torcedores (que está sendo implementado no Brasil) levou a uma reação indignada que desembocou na criação da Football Supporters Association (Associação dos Torcedores de Futebol). Esta entidade, de caráter nacional, mobilizou os torcedores em torno dos seus direitos e um abaixo-assinado com 250.000 pessoas conseguiu barrar a proposta de Margaret Thatcher.
A década de 90 assistiu à criação de associações independentes de torcedores (Independent Supporters Associations), bem mais críticas e politizadas do que os grupos de apoio típicos que existiam anteriormente. Algumas vitórias conseguidas por associações deste tipo merecem ser mencionadas. Em 1993 a associação de torcedores do West Ham impediu que o clube implementasse um esquema que vinculava a compra de ingressos à posse de um cartão custando 500 libras (R$ 2.000). Os torcedores do Charlton, congregados em torno do fanzine Voice of the Valley, foram bem sucedidos em uma campanha para que o clube retornasse a seu estádio de origem. Leeds e Newcastle viram seus torcedores desencadearem campanhas contra o racismo que acabaram levando ao desenvolvimento de uma campanha nacional.
A criação da FA Premier League, em 1992, representou um duro golpe para os torcedores e suas organizações. A venda dos direitos televisivos para um mercado global tornou os clubes menos dependentes dos seus fãs locais, diminuindo a sua capacidade de pressão. Mas os torcedores continuaram se fazendo ouvir. Muitos criaram o que se chama de um Football Trust, ou seja, uma organização para arrecadar fundos que são aplicados no clube, mas de acordo com o que decidem os torcedores. O dinheiro não é entregue na mão dos dirigentes, os torcedores exigem contrapartidas. É claro que este esquema é mais presente e efetivos nos pequenos clubes, onde as quantias arrecadas pelos torcedores ainda têm um impacto significativo. O governo trabalhista de Tony Blair criou um fundo governamental para apoiar estas iniciativas de torcedores, visando democratizar o futebol. Esta verba foi fundamental, por exemplo, para a criação do FC United of Manchester (http://www.fc-united.co.uk/ ), já abordado na crônica da semana passada (ver “Rebeldes F.C.”).
Na verdade, o FC United inspirou-se no AFC Wimbledon. Este foi criado em 2002 por torcedores desgostosos com a transferência do seu clube para uma outra cidade, a 100 quilômetros de distância. É algo muito comum ... no futebol americano, onde os clubes buscam um melhor “mercado consumidor”. Seja como for, o nome do antigo clube acabou sendo modificado pelo novo proprietário para MK Dons enquanto os incorformados torcedores passaram a seguir o AFC Wimbledon. O MK Dons está atualmente na 4a. Divisão (League Two), enquanto que o clube criado pelos torcedores disputa a 7a. Divisão.
Recentemente, foi inventada uma nova forma de participação para os torcedores: o clube virtual. O pioneiro foi o MyFootballClub (http://www.myfootballclub.co.uk/ ). Pelo equivalente a 140 reais, você torna-se dono de um clube de futebol, com direito a votar na escalação do time, dar palpite na contratação de jogadores etc. Em poucas semanas, 20 mil pessoas aderiram ao esquema gerando 700.000 libras (dois milhões e oitocentos mil reais). Na segunda semana de novembro, o site anunciou que havia concluído a negociação com o Ebsfleet F.C., um clube que atualmente disputa a Blue Square Premier (5a. Divisão). Este clube foi escolhido entre sete outros que procuraram o site dispostos a aderir ao esquema.
De imediato, houve uma chuva de críticas. A principal dela é que torcedores virtuais, interessados em “brincar de proprietário”, agora terão em mãos o destino de um clube real, em detrimento dos torcedores de verdade. É aquilo que o Martin Samuel, colunista do The Times, chamou em um artigo de “Poder para as pessoas erradas”. Muitos também vaticinam um desastre iminente pelo fato dos proprietários virtuais escalarem o time e opinarem nas contratações sem maior conhecimento de causa.
Seja lá como for, todas estas inciativas demonstram que há muitas e melhores possibilidades para os torcedores além do modelo "Me dá um dinheiro aí"...
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