Oi, pessoal, para quem gosta de pensar (e se divertir), vale a pena dar uma olhada no primeiro número da Revista Contracultura: www.uff.br/revistacontracultura . Foi lá que publicamos este artigo.
um abraço a tod@s,
Marcos Alvito
Rebeldes F.C.
Qual torcedor não sonha em vestir as cores do clube e entrar em campo? Que tal marcar aquele gol “feito” que o infeliz centroavante acaba de perder? Ou fazer um lançamento perfeito deixando alguém na “cara do gol”? Quem sabe livrar seu time da derrota, salvando uma bola em cima da linha? Rob Nugent não precisa mais sonhar. Este rapaz de 24 anos já realizou o maior sonho da sua vida: jogar futebol pelo seu clube. Até 2005, seu clube era o todo-poderoso Manchester United, com certeza o clube mais conhecido da Terra, com milhões de torcedores globais espalhados por todos os continentes. No último balanço realizado pela empresa de consultoria Deloitte & Touche, o Manchester United aparece novamente o clube mais rico do mundo, valendo mais de um bilhão de libras (quatro bilhões de reais).
Como diz aquele samba, dinheiro não traz felicidade. O clube foi criado numa época em que ainda não se usavam redes (nenhum locutor podia se esgoelar gritando “tá lá na rede”) e em que muitas traves ainda tinham fitas servindo de travessão. O futebol ainda era amador, embora fossem comuns pagamentos “por debaixo do pano” até 1885 quando o profissionalismo foi legalizado na Inglaterra. Naquele ano de 1878, em que os juízes de futebol passaram a usar apito (antes devia ser no grito), os ferroviários de Manchester fundaram o Newton Heath Football Club, que utilizava um belo uniforme quadriculado verde e amarelo. O início não foi dos mais fáceis e em 1902 o Newton Heath mudou seu nome para Manchester United por exigência do mecenas que salvou o clube da falência.
Na década de 30, o clube esteve novamente à beira da falência. Em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial o estádio de Old Trafford sofreu um pesado bombardeio alemão e teve que ser reconstruído. Na década de 50, o clube foi marcado pela tragédia de Munique em 1958, quando o avião transportando a jovem e brilhante equipe dirigida por Matt Busby espatifou-se na pista depois da terceira tentativa de decolagem, roubando a vida de 21 pessoas, inclusive 8 jogadores do Manchester United.
Dois sobreviventes daquele dia, Matt Busby e o genial meio-campista Bobby Charlton, celebraram dez anos depois a primeira conquista de uma copa européia (hoje chamada Champions League), derrotando o Benfica de Eusébio, à época considerado rival de Pelé. Mesmo assim, o Manchester United estava longe de ser um clube super-poderoso até mesmo na Inglaterra. Na década de 70, era comum os torcedores adversários gritarem “You are never going to win the League” (“Vocês nunca serão campeões”) e em 1974 o clube foi rebaixado para a segunda divisão.
Na década de 90, a sorte mudou e o trabalho de Sir Alex Ferguson, técnico do Man United desde 1986, começou a dar frutos. O clube é o maior vencedor do futebol inglês após 1992, ano da criação da Premier League, tendo conquistado o título nove vezes em quinze temporadas.
Nesse mesmo período, o clube investiu na sua transformação em uma multinacional do entretenimento esportivo, com uma agressiva campanha de marketing direcionada sobretudo para o mercado asiático, onde a camisa vermelha do United é um objeto de consumo altamente desejado. O potencial mercadológico do clube não passou despercebido para os peso-pesados do capitalismo. Primeiro foi o polêmico Rupert Murdoch, dono da maior cadeia de jornais, revistas e televisão do mundo. Uma de suas empresas, a tv a cabo BskyB, tentou comprar o Man U (como costuma ser chamado na Inglaterra) em 1999. A ativa resistência dos torcedores, debaixo da bandeira “Not For Sale” (“Não está à venda”) impediu que o negócio fosse realizado. Depois de muita luta, as autoridade inglesas consideraram ilegal que a empresa televisiva que detinha os direitos de transmissão fosse dona de um dos clubes.
Depois de derrotarem Murdoch, os fãs tiveram que enfrentar outro desafio: em 2003 os ricos criadores de cavalos John Magnier e J.P. McManus começaram a comprar ações do clube com intenção de obter o controle total do Manchester United. Desta vez, todavia, não havia como apelar para o governo. Os torcedores partiram então para táticas de “guerrilha”: impediram a realização de uma corrida de cavalos, ergueram piquetes em frente às companhias ligadas a Magnier e McManus, fizeram ataques virtuais aos servidores da empresa, bombardearam as famílias e o staff com e-mails agressivos e, por fim, pintaram de vermelho as residências dos futuros donos do clube. Os milionários irlandeses sucumbem à pressão dos torcedores e desistem do seu intuito de tomar o clube em 2004. Outra batalha vencida, mas a guerra continuava. Entra em campo outro bilionário, o norte-americano Malcom Glazer, proprietário do Tampa Bay Bucaneers, uma equipe de futebol americano. Glazer “cresce o olho” para um clube com pouca dívida e enorme penetração no mercado global do entretenimento. Em 2005, apesar de novos e pesados protestos dos torcedores, o norte-americano compra 90% das ações, o que pela lei obriga todos os outros acionistas a lhe venderem as ações restantes.
Além da compra do clube por alguém sem nenhuma ligação anterior com o futebol inglês ou com o Manchester United, há também a forma como o negócio foi realizado. Por uma mágica que só o capitalismo é capaz de operar, Glazer não comprou o clube tirando dinheiro do próprio (e bem recheado) bolso.
Fez um empréstimo de 500 milhões de libras (2 bilhões de reais) em nome do clube. Ou seja, o Manchester United passou a dever meio bilhão de libras para que Glazer o comprasse. É claro que isso implicou em aumento do preço dos ingressos, ou seja: os torcedores é que iriam pagar a conta.
Diante dessa situação imoral, um grupo de torcedores muito ativos decide boicotar o clube, prometendo não ir ao estádio. Tony Howard estava entre eles. É com muita revolta e tristeza que ele me conta que arremessou seu season-ticket (cartão permanente) pela janela. Ainda hoje, dois anos depois, persiste em Tony sensação de que seu clube e seu lugar no estádio há mais de uma década foram roubados. Mas torcedor unido jamais será vencido. E em junho de 2005, o mesmo grupo que lutara contra a venda do Manchester decide criar um novo clube para competir no campeonato daquele ano. Em apenas 4 semanas eles criaram FC United of Manchester. Apelido: “The Rebels” (“Os Rebeldes”).
As cores vermelha, branca e preta são as mesmas do clube comprado pelo milionário norte-americano, mas o FC United é um clube completamente diferente. É dirigido democraticamente por um conselho eleito por seus membros. São cerca de 2.000 torcedores, cada um com um voto. O FCUM é uma entidade não-lucrativa e sua constituição obriga o clube a tentar manter preços acessíveis e a estabelecer uma ligação com a comunidade local. Dois anos depois, o clube criado pela Internet é uma realidade. Começou na 10a. Divisão, mas foi campeão duas temporadas seguidas e hoje joga na Unibond League First Division North, ou seja: o equivalente à 8a. Divisão. O time tem uma excelente média de público, cerca de 2.000 torcedores por jogo. E no momento em que escrevo (novembro de 2007) encontra-se na terceira colocação, candidato a subir de divisão no ano que vem.
É neste “clube dos torcedores” que joga o ruivo Rob Nugent. Aquela fria noite de Manchester começou mal para ele. Com menos de 5 minutos o FC já estava perdendo para o Rossendale por conta de uma bola mal atrasada para o goleiro por Rob. Ao fim tempo, com o FC perdendo de 1x0, eu e meu amigo Adam Brown mudamos de lugar na arquibancada. Adam é um sociólogo-torcedor que ajudou a fundar o clube e ainda hoje é um dos seus dirigentes. Superstição à parte, no segundo tempo o time melhorou muito e virou a partida marcando cinco lindos gols. Depois do jogo, entrevistei Rob Nugent. Ele ainda estava aflito com seu erro no primeiro tempo, mas muito feliz com a vitória. Afinal, Rob Nugent não é apenas um zagueiro do FC United. Ele estava entre os torcedores que protestaram contra a venda do Man U para Glazer. Foi quando estava na fila de fundadores do FC que um conhecido comentou que Rob já havia jogado futebol profissional no Sheffield United, um dos clubes mais antigos e tradicionais da Inglaterra. Escalado para um teste, Rob passou e hoje veste com orgulho a camisa número 6 do FC. O sonho de Rob virou realidade.
Prorrogação: hoje o FC enfrenta um novo desafio. Foi lançada uma campanha na Internet para arrecadar fundos para a construção de um estádio próprio, inicialmente com 750 assentos. Se o leitor ou leitora quiser ajudar os Rebeldes ou conhecer mais um pouquinho sobre o clube, basta clicar em http://www.fc-utd.co.uk/ .
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
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