terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Gerrard e o Urso Polar (Parte I)

Da mesma forma que o aquecimento do planeta ameaça a existência de diversas espécies, dentre elas o Urso Polar, o aquecimento econômico da Premier League ameaça a existência do jogador inglês. No primeiro ano da então Premiership, em 1992, havia em média 8 jogadores ingleses entre os 11 titulares. Na primeira rodada da temporada passada (2006-7), este número havia caído para quatro. Mesmo que somemos todos os jogadores britânicos (isto é: ingleses + galeses + escoceses + irlandeses), os números continuam assustadores: em 1992 os jogadores britânicos eram 90% contra apenas 44% na temporada 2006-7. Em suma: os jogadores estrangeiros passaram de 10% a 56% em 14 anos. Mais da metade, quase 6 em cada 11 jogadores. Esta é a mais alta porcentagem de estrangeiros em uma primeira divisão nacional dentre as principais ligas européias.

Na temporada atual o número de estrangeiros aumentou de 123 para 196, vindos de 66 países diferentes. O Bolton Wanderers, por exemplo, é uma verdadeira “Legião Estrangeira”, com 24 países diferentes representados na equipe. O Arsenal, que tem liderado a maior parte da atual temporada, normalmente entra em campo com 11 estrangeiros. O Arsenal, aliás, foi o primeiro clube na história do futebol inglês a escalar 16 jogadores (11 em campo + 5 no banco de reservas) estrangeiros em 2005. Mais de 100 jogadores que participaram da Copa de 2006 jogam hoje em campos ingleses.

Por um lado, esta é uma história de sucesso retumbante. A média de público passou de 21 mil em 1992 para 35 mil em 2007-8, o que equivale a uma taxa de ocupação dos estádios superior a 90%. A Premier League é hoje uma febre planetária, assistida pela telinha em mais de 200 países, com um público acumulado de mais de 3 bilhões de telespectadores. É aquilo que os economistas chamam de um “círculo virtuoso”: os direitos de transmissão geram recursos que são investidos na contratação dos melhores jogadores do planeta, atraindo mais audiência e por sua vez levando ao aumento no valor dos direitos televisivos. A Premier League vendeu os direitos de transmissão das próximas 3 temporadas, até 2009-10, pelo equivalente a 11 bilhões de reais. Só para se ter uma idéia, a primeira divisão espanhola, a outrora hegemônica La Liga, onde jogam Ronaldinho, Messi e Robinho, dentre outros, recebe um terço disso pelos direitos de transmissão do seu campeonato.

Essa dinheirama toda é utilizada em grande parte para a contratação de jogadores e pagamento de salários. Na atual temporada os 20 clubes da primeira divisão inglesa já gastaram mais de 2 trilhões de reais em tranferências. Mesmo as mais ricas ligas européias ficam à mercê do maior poderio econômico da Premier League. Estrelas de primeira grandeza em seus países, como o alemão Ballack ou o espanhol Fernando Torres, transferem-se por somas milionárias que clubes como Bayern de Munique ou Atlético de Madri hoje não têm condições de igualar. Há uma verdadeira pilhagem dos jovens talentos e mesmo um clube do porte do Real Madri vê jogadores das suas divisões de base sugados pelo furacão Premier League. Foi assim com o argentino Gerardo Bruno, de 15 anos, contratado pelo Liverpool em novembro de 2007, depois de passar 3 anos nas divisões de base do Real. Como resumiu muito bem o técnico das divisões de base do clube espanhol: “Isso acontece todo o tempo na Inglaterra. Quando eles vêem alguém de quem eles gostam, levam-no embora.” Cristiano Ronaldo, por exemplo, foi contratado pelo Manchester United depois de uma boa atuação contra os Red Devils quando ele ainda vestia a camisa do Sporting de Lisboa.

Na verdade, a Premier League pode ser considerada um empreendimento típico do capitalismo global. Nove dos vinte clubes têm proprietários estrangeiros, quase sempre bilionários sem maiores ligações com o futebol enquanto esporte e sim como big business. Vêem-se crianças com camisas do Manchester United nos quatro cantos da Terra e o clube alega ter 333 milhões de fãs em 21 países diferentes. Os principais clubes fazem pré-temporadas na Ásia, de olho em um mercado que cresce a cada dia. Ou seja, é uma liga jogada na Inglaterra, mas por jogadores de todo o mundo para uma platéia igualmente planetária.

Um comentário:

Eduardo Zobaran disse...

O engraçado mesmo é ver ingleses reclamando que o domínio estrangeiro é um fator determinante para o insucesso do English Team. Antes fosse...mas a verdade é que já não é de hoje que os lads fracassam em competições internacionais.