Quando a Inglaterra sofreu o choque de não conseguir classificar-se para a Eurocopa 2008, perdendo em pleno estádio de Wembley para a Croácia, muitos atribuíram o fracasso ao excesso de jogadores estrangeiros, sobretudo na Premier League. Aqui as opiniões se dividem. Sir Trevor Berbick, por exemplo, diretor da Football Association (FA) responsável pelas divisões de base, foi categórico: "A seleção está ameaçada, os números mostram isso. É um problema sério. Daqui a dez anos teremos que ficar satisfeitos em simplesmente conseguirmos nos classificar para as competições internacionais.” O Ministro dos Esportes, Gerry Sutcliffe, também se manifestou no mesmo sentido. Outro a pensar da mesma forma é o craque do Liverpool e da seleção inglesa, Steven Gerrard. “Há um grande perigo de que paremos de produzir garotos de qualidade por causa da quantidade de estrangeiros nos clubes”, afirmou Gerrard. Ele é até mesmo a favor de quotas máximas para jogadores estrangeiros e diz-se “desesperado para que surja outro garoto [como ele] vindo das divisões de base do Liverpool”. As autoridades do futebol internacional concordam com Gerrard. Sepp Blatter, presidente da FIFA, propôs o estabelecimento de uma quota de 5 jogadores estrangeiros por cada clube, em nome da “proteção à identidade nacional dos clubes de futebol”, salientando também a vantagem econômica, pois será mais barato para os clubes utilizarem jogadores nacionais. Talvez. O fato é que a imposição de uma quota para “estrangeiros” é algo contrário à Constituição da Comunidade Européia, que protege os direitos de livre movimentação e contratação dos trabalhadores, inclusive dos jogadores de futebol.
Além do problema legal, aparentemente insuperável, há quem seja contra a quota por outros motivos. Arsène Wenger, o técnico francês do Arsenal, brandiu o argumento da excelência: “Eu sempre achei que o esporte premia a qualidade e não se esconde por detrás de regras artificiais. Se você rebaixa o nível da turma, isso não torna melhores os maus estudantes, torna-os piores. Competir com os melhores jogadores do mundo é uma chance de subir seu nível. Se você organiza um torneio de golfe, as pessoas vão para ver Tiger Woods, na Escócia ou em qualquer outro lugar. Quando você vai a Wimbledon, quer ver Roger Federer. É isso que as pessoas querem hoje em dia. O mundo mudou. As pessoas querem o melhor do mundo e agora não vão querer assistir mais a um nível inferior [de espetáculo]”. O ex-técnico da seleção inglesa, o sueco Sven Goran Eriksson, atualmente treinando o Manchester City, também é contra as quotas: “Se você quer ter uma Europa aberta, na vida, nos negócios, com pessoas trabalhando em diferentes países, você não pode isolar o futebol. Temos que conviver com isso.” Muitos também contestaram o argumento de que os estrangeiros estariam enfraquecendo a seleção inglesa ao lembrar que os maus resultados (nenhuma conquista após a Copa de 1966) são muito anteriores à avalanche de jogadores multinacionais iniciada sobretudo após 1995.
De qualquer forma, um observador atento poderia lembrar que tanto Wenger quanto Eriksson são partes interessadas, pois ambos desfrutam de um amplo orçamento que lhes permite contratar jogadores de qualidade independentemente da nacionalidade. Aqui há uma contradição inevitável: é verdade que as leis européias protegem os trabalhadores e que obviamente os jogadores de futebol devem ser considerados como tal. Por outro lado, na prática são apenas os maiores clubes do mundo que se beneficiam disso, gerando uma competição desigual com os restantes. No fundo, trata-se de uma queda-de-braço entre o futebol como negócio e uma tradição secular cada dia mais ameaçada, entre o futebol como mercadoria da indústria do entretenimento (leia-se sobretudo televisão) e o futebol enquanto parte de uma identidade local e nacional. Em suma: entre o lucro e a paixão.
Também há quem diga que toda esta discussão sobre seleção e jogadores nacionais ou estrangeiros esteja totalmente ultrapassada. Simon Jenkins, em um artigo publicado no The Guardian (16-11-2007), argumenta que a realidade virtual já ultrapassou a geografia: “Clubes de futebol tem seus próprios websites e canais de tv, seus torcedores são cada vez mais independentes da localidade. Eles juntaram-se à vizinhança global onde pode-se surfar na internet em busca de cultura sem fronteiras, emprego, lazer e até mesmo de amigos. (...) A distância tornou-se insignificante.” Ao invés de estabelecer quotas para jogadores estrangeiros, ele propõe que a seleção inglesa simplesmente “compre” os melhores jogadores que toparem vestir a camisa dos três leões. Apesar de não concordarmos com ele, temos que admitir que de certa maneira isto já está acontecendo. Voltemos ao jogo que eliminou a Inglaterra da Eurocopa e deslanchou todo este debate. É irônico e bem característico do que ocorre hoje no futebol que um dos gols da Croácia tenha sido criado por um passe magistral do "croata"-carioca Eduardo Silva, ex-jogador do Bangu e atual camisa 9 do Arsenal.
2 comentários:
Fala Alvito!
Sobre este debate: desde 2003 eu tenho pelo menos um aluno que torce para o São Paulo. Este ano são 4. Para minha surpresa, tenho um aluno este ano que afirmou torcer para o Milan. Mas quando perguntei o porquê, ele respondeu: "por que são as cores do mengão!". Todos estes alunos são de Teresópolis. Em São João de Meriti a maioria é vascaína...
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